Auditoria de resultados na governança pública I: o IEGM e a transformação sustentável nos Tribunais de Contas brasileiros

Autor: Marcos A. Rehder Batista

 



Fonte: Instituto Rui Barbosa

Tribunais de Contas, o IEG-M e a boa governança I: introdução

A elaboração de uma agenda de pesquisa sobre a relação entre boas práticas de gestão e a conquista de legitimidade e apoio político, que venho esboçando desde o início do período eleitoral de 2020, levou à concentração nas orientações dos Tribunais de Contas estaduais aos prefeitos eleitos. Acredito que este caminho natural tenha ocorrido porque adotei como unidade de análise os mandatos (com seus projetos e apoiadores), e pode-se dizer que os mandatos de prefeitos consistem nas pontas mais concretas nas quais podemos observar e avaliar esta relação entre a realização de políticas públicas e sua aprovação por parte da população. Pode-se dizer também que os princípios de boas práticas de gestão defendidos por entidades que defendem uma “nova política” já estão presentes nas diretrizes dos órgãos de auditoria externa para instituições públicas, algo cada vez mais observável quando vemos nos últimos anos uma preocupação dos tribunais em não se restringirem à fiscalização da conformidade com a lei mas também em sugerir critérios de maior eficiência para se atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS’s) da Agenda 2030, a chamada “auditoria de resultado”. Esta nova tendência, que já vinha sendo discutida no Brasil a pelo menos 5 anos, materializa-se nos critérios de avaliação do Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM), e apresento aqui uma introdução sobre como esta discussão cerca este índice e um programa de trabalho para levantar algumas questões relevantes sobre cada um dos seus aspectos ao longo dos próximos 3 meses.

                Uma das pautas mais reforçadas no XXII Congresso Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (IRB, 2019), ocorrida em 2019 na cidade de Moscou, foi a importância de entidades como tribunais de contas aproveitarem sua capacidade de levantar e analisar dados para, de alguma forma induzir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nas sociedades. Pode-se dizer que esta preocupação é um reflexo do momento histórico atual, em que surgem em peso movimentos preocupados com novas formas de desenvolvimento econômico e mecanismos para promove-los, como é o caso da carta compromisso do Business Round Table (2019), na qual 181 das maiores corporações estadunidenses se comprometeram num esforço em direção aos ODS’s (Dowbor, 2020). Esta nova visão sobre as auditorias públicas em direção à sustentabilidade ambiental, social e econômica foi reforçada pela Carta de Foz do Iguaçu dois meses depois no I Congresso Internacional dos Tribunais de Contas (CITC, 2019) e reafirmado no VII Encontro Nacional dos Tribunais de Contas, um ano depois (ENTC, 2020). Esta preocupação em não apenas julgar, mas também orientar os prefeitos sobre como atingir os melhores resultados para suas políticas públicas já vinha ocorrendo a anos Brasil afora, contando até com um mecanismo de avaliação, o IEG-M.

                A implementação deste índice remonta 2013, quando foi idealizado no TCE SP sob coordenação do Conselheiro Sidney Beraldo, secretário de estado e ex-deputado estadual que em seu mandato na ALESP já vinha da experiência na implementação de indicadores para diagnósticos dos municípios. A partir da experiência paulista o Instituto Rui Barbosa assumiu a implantação em nível nacional em 2015 por intermédio do então presidente do “Instituto”, o Conselheiro Sebastião Helvécio Ramos de Castro, do TCE MG (IRB, 2016). O índice é composto tanto por dados censitários de outros órgãos oficiais (como IBGE), quanto por dados dos tribunais e outros preenchidos em questionários pelas prefeituras, que vão de educação à tecnologia da informação (Castro e Carvalho, 2017). Observa-se, com isso, os tribunais confirmando o novo papel de averiguação da qualidade na aplicação de recursos e na efetividade no gasto público, algo presente na definição e seu papel constitucional (Camargo, 2020).

          Alguns estudos aprofundam sobre os paradigmas teórico-conceituais que inspiraram a elaboração do índice, ressaltando sua abrangência, acessibilidade e fácil compreensão por parte da agentes públicos não iniciados neste tipo de diagnóstico e mesmo dos cidadãos em geral (Amorim e Passos, 2018; Araújo, Bezerra Filho e Motoki, 2019; Amorim, 2017), ressaltando também a necessidade deste tipo de avaliação como orientação em tempos de crise. Trata-se de um indicador de gestão municipal, que apesar de dizer muito sobre padrões de desenvolvimento locais, não é diretamente voltado para este propósito. Todavia, além do objetivo encontrar as melhores formas de ajudar os gestores públicos a compreender os principais aspectos avaliados e mapear formas de transformar a boa gestão destes aspectos em apoio político e voto (afinal, mesmo que queira adotar boas práticas de gestão um político só consegue atingir este objetivo se conseguir se eleger), este plano de trabalho também pretende levantar como outros indicadores, mais ligados ao desenvolvimento econômico sustentável, podem ser usados em conjunto com o IEGM, de modo a oferecer um precioso instrumento de diagnóstico para a elaboração de planos de desenvolvimento sustentável focados, sobretudo, na formação de capital humano. Vale salientar o esforço recente em satisfazer os critérios dos ODS’s dentro da avaliação do IEGM, expressos em vários debates na Rede Nacional de Indicadores Públicos do Instituto Riu Barbosa. Os indicadores que compõem o índice são (IRB, 2016; Castro e Carvalho, 2017):

  • i-Educação: avalia sobre educação infantil e fundamental (vagas, qualificação, infraestrutura e insumos), além da atuação do Conselho Municipal de Educação
  • i-Saúde: avalia atendimento básico, assiduidade dos médicos, insumos, infraestrutura, algumas doenças específicas e atuação dos Conselho Municipal de Saúde
  • i-Planejamento: avalia relação entre o que foi planejado, a qualidade do planejamento e o que foi atingido, também relacionando custo-benefício nas mais variadas áreas
  • i-Fiscal: avalia excussão financeira e orçamentária, transparência e adequação à Lei de Responsabilidade Fiscal (atribuições convencionais dos Tribunais de Contas)
  • i-Amb: avalia informações sobre manejo de resíduos sólidos, saneamento básico, educação ambiental, estrutura ambiental e atuação do Conselho de Meio Ambiente
  • i-Cidade: avalia a gestão municipal em relação a sinistros e desastres, como Plano de Contingência, identificação de riscos e intervenção do Poder Público na Defesa Civil
  • i-GovTI: mede conhecimento e uso de recursos tecnológicos informacionais, como informática, segurança de informação e qualificação e recursos humanos

             Dada a nítida importância deste índice e de todo o debate que gira em torno dele estruturei uma sequência de 12 esboços sobre cada um dos aspectos que serão publicados ao longo das próximas 12 (incluindo esta) semanas. Sabe-se que a implantação deste instrumento de avaliação, assim como as demais ações conjuntas dos Tribunais de Contas Estaduais, envolve uma rede institucional ampla, composta principalmente pelo Instituto Rui Barbosa (órgão responsável), Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON), Associação Brasileira dos Tribunais de Contas Municipais (ABRACOM), Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-substitutos dos Tribunais de Contas (AUDICON) e o Conselho Nacional dos Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC) (CITC, 2019). Todavia, este trabalho exploratório focará nas orientações do IRB, que é especificamente responsável por este trabalho de âmbito acadêmico em âmbito nacional dos órgãos auditores externos. O plano semanal seguirá a seguinte ordem:

 

Semana

Pauta

Apresentação e Cronograma (hoje)

Processo de implantação do IEGM

Princípios metodológicos e aprimoramentos na Rede Indicon

i-Planejamento

i-Fiscal

i-Educação

i-Saúde

i-Amb

i-Cidade

10ª

i-GovTI

11ª

Uso conjunto do IEG-M com indicadores de Desenvolvimento Sustentável

12ª

Conclusões sobre o potencial político da assimilação dos critérios do IEGM

              Como foi afirmado anteriormente, existe aqui uma preocupação também com um planejamento da otimização eleitoral neste aprendizado sobre os critérios de avaliação do IEGM. Esta relação com candidaturas empenhadas em tomar as boas práticas de gestão como bandeiras de campanha foi, inclusive, a gênese desta preocupação noprojeto RB Sustentabilidade 4.0, tal que buscou-se alternativas no trabalho da economista ganhadora do Nobel de Economia de 2009, a estadunidense Elinor Ostrom (Ostrom, 2005), a partir do qual entende-se as políticas públicas como recursos de uso comum, de sua elaboração à execução. De acordo com esta abordagem a rede composta entre os TCE's e o Instituto Rui Barbosa caracteriza um sistema policêntrico de governança, com situações de ação horizontais ligadas à uma situação superior que é o IRB e demais associações nacionais de órgãos auditores. Inspirado no framework oferecido pela pesquisadora simplificou-se em 7 aspectos a serem observados em torno de cada política pública (BATISTA, 2020):


  1. Participantes: mapear lideranças favorecidas nos projetos e articular aproximação
  2. Posições: avaliar função que estas lideranças podem cumprir na esfera pública
  3. Estratégias: avaliar potencias das lideranças no contexto da esfera pública
  4. Consequências: avaliar consequências (positivas e negativas)
  5. Controle Social: comitê de crise com regras claras, representativo das lideranças
  6. Informação: modular conteúdo disseminado de acordo com público alvo
  7. Custos e Benefícios: avaliar a relação entre investimentos e votos/apoios agregados

Pode-se dizer que esta pauta de investigação preliminar proporciona um retorno ao objetivo inicial do projeto RB Sustentabilidade 4.0, quando foi pensado a partir de estudos de sustentabilidade e economia circular na produção de energia a partir de resíduos orgânicos, e acabou rumando para a questão da pandemia e, em seguida, para o problema imediato das eleições municipais: digamos que neste tema engloba-se o conjunto todo. Concentrar uma análise dos novos princípios das boas práticas de gestão pública (e de um novo espírito público para a política) numa estrutura institucional tão sólida como a rede de Tribunais de Contas consiste numa tarefa desafiadora, mas que repousa sobre um projeto consistente de sociedade e com a consistência perene necessária para o aprimoramento de nossas bases democráticas.

Até a próxima semana!

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/IE-Unicamp, do SP in Natura Lab/FCA-Unicamp, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com

*a partir de junho de 2021 esta pesquisa passou a ser sediada no GVceapg/EAESP - FGV

Seguem os textos já feitos deste programa de trabalho


Primeiro esboço, sobre a relação entre as entidades às quais me referi e o voto:

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/10/escolas-de-gestao-publica-e-eleicoes.html

 

 

"Auditoria de resultados na governança pública II: implementação". Contextualização histórica e política do ambiente onde o IEGM foi implementado

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/02/tribunais-de-contas-o-ieg-m-e-boa.html

 

"Auditoria de resultados na governança pública III: metodologia". Contextualização dos estudos de governança dentro de versões do paradigma dos "Ciclos de Políticas Públicas"

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/03/auditoria-de-resultados-na-governanca.html

 

“Auditoria de resultados na governança pública IV: i-Planejamento”

Análise preliminar dos critérios do i-Planejamento segundo princípios de governança pública 

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/04/auditoria-de-resultados-e-governanca.html

 

“Auditoria de resultados na governança pública V: i-Fiscal”

Análise preliminar dos critérios do i-Fiscal segundo princípios de governança pública 

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/05/auditoria-de-resultados-e-governanca.html

"Auditoria de resultados na governança pública VI: i-Educação"

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/08/auditoria-de-resultados-e-governanca.html

"Auditoria de resultados na governança pública VI: i-Saúde"

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/08/auditoria-de-resultados-e-governanca_31.html

"Auditoria de resultados na governança pública VI: i-Ambiental"

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/10/auditoria-de-resultados-e-governanca.html

"Auditoria de resultados e governança pública IX: i-Cidades"

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/11/auditoria-de-resultados-e-governanca.html

Auditoria de resultados e governança pública X: i-GovTI

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/11/auditoria-de-resultados-e-governanca_10.html

Auditoria de resultados e governança pública: IEG-M e ESG

O Índice de Efetividade da Gestão Municipal e os Princípios ESG (rbsustentabilidade40.blogspot.com)

Auditoria de resultados e governança pública XII: da gestão à governança

Administração Pública: da gestão à governança (rbsustentabilidade40.blogspot.com)

Referência Bibliográficas

AMORIM, A. de C. (2017). A utilização do Índice de Efetividade da Gestão Municipal (IEGM) como ferramenta de avaliação de políticas públicas. Disponível em < https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50556/a-utilizacao-do-indice-de-efetividade-da-gestao-municipal-iegm-como-ferramenta-de-avaliacao-de-politicas-publicas>, acessado em 24/01/2021.

 

ARAÚJO, L.C. de; BEZERRA FILHO, J.E.; MOTOKY, F.Y.S. (2019). Gestões municipais no Brasil: um estudo a partir do Índice de Efetividade (IEGM) publicado pelo Instituto Rui Barbosa. XIII Congresso Ampcont. Disponível em < http://anpcont.org.br/pdf/2019_CPT407.pdf>, acessado em 24/01/2021.

 

BATISTA, M.A.R. (2020). Escolas de gestão pública e eleições: boas práticas de governança e as urnas. Disponivel em < https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/10/escolas-de-gestao-publica-e-eleicoes.html>, visualizado em 26/01/2021

 

CAMARGO, B.H.F. (2020). Abordagem constitucional dos tribunais de contas: uma análise acerca da evolução de suas competências para alcance da avaliação qualitativa. Rev. Controle, Fortaleza, v. 18, n.1, p. 342-376, jan./jun. 2020.

 

CASTRO, S.H.R.  de; CARVALHO, M.G. de (2017). Indicador de Efetividade da Gestão Municipal: Contribuição dos Tribunais de Contas para a melhoria da Gestão Pública. Memorias de la Séptima Conferencia Iberoamericana de Complejidad, Informática y Cibernética (CICIC 2017). Disponível em < http://www.iiisci.org/journal/CV$/risci/pdfs/CB288DK17.pdf>, acessado em 25/01/2021

 

CITC (2019). Carta de Foz do Iguaçu. I Congresso Internacional dos Tribunais de Contas. Disponível em < https://irbcontas.org.br/tces-defendem-suas-competencias-constitucionais-em-resposta-a-pec-188/>, acessado em 24/01/2021

 

DOWBOR, L. (2020) A economia desgovernada. Revista ComCiência, disponível em < https://www.comciencia.br/a-economia-desgovernada-por-ladislau-dowbor/>, acessado em 25/01/2021.

 

IBR (2016). Índice de Efetividade da Gestão Municipal – IEGM Brasil. Curitiba: Instituto Rui Barbosa.

 

IRB (2019). Declaração de Moscou. XXII Congresso Internacional das Entidades Fiscalizadoras Superiores. Disponível em< https://irbcontas.org.br/a-declaracao-de-moscou-2019-e-os-desafios-para-o-controle-externo-brasileiro/ >, acessado em 25/01/2021.

 

IRB (2020). Carta do VII Encontro Nacional dos Tribunais de Contas. Disponível em < https://irbcontas.org.br/lancamento-da-carta-do-vii-encontro-nacional-dos-tribunais-de-contas/>, acessado em 24/01/2021.

 

OSTROM, E. (2005). Understanding Institutional Diversity. Princeton, NJ: Princeton University Press.

 


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