O Índice de Efetividade da Gestão Municipal e os Princípios ESG

 

Fonte: ESG: conheça a tendência dos investimentos que veio para ficar | InvestNews


Auditoria de resultados e governança pública XI: IEG-M e ESG

Marcos Antonio Rehder Batista

 

A questão da efetividade na gestão é uma pauta constante no debate político sério,principalmente porque sempre pode ser aprimorada. Longo de ser um “privilégio” apenas do setor público, o esforço para qualificar a transparência e o aproveitamento estratégico das conseqüências diretas e indiretas das ações de uma organização é simplesmente a alma da administração científica (e o IEG-M é um indicador voltado para isso). Pode-se dizer que este problema nos coloca diante do desafio de mediar as dimensões burocrática e política do problema, pois não há resultado sem austeridade relativa mas nada funciona sem a participação dos envolvidos, desde os diretos até todos que sofrem as conseqüências.

                Na administração estatal – direta e indireta – o foco em resultados e evidências ganhou um impulso enorme nos anos 1970 com a NGP, que apropriava a racionalidade do mercado para gerir as atividades públicas. O conceito de eficiência se tornou um mantra bom, que cobrava dos agentes políticos mais que popularidade, agora a obrigação de demonstrar capacidade de atingir objetivos concretos propostos em campanhas eleitorais, e muita gente se destacou nisso.

                Porém, a gestão pública vai muito além de cumprir promessas, pois em uma sociedade com crescente capacidade de comunicação interpessoal em massa (as redes sociais, por exemplo) vários setores escancaram suas demandas, e como “sócios” do Estado, é legítimo que mesmo quem não apoiou este ou aquele governante tenha canais para ser atendido. Esta democratização do poder de ter posições respeitadas e a garantia da transparência administrativa tornou-se um valor muito caro para as organizações, e não se restringiu aos sistemas democráticos: transparência, equidade, prestação de contas e conformidade com valores coletivos se tornaram um norte também no setor privado, tanto porque as grandes corporações que dominam as cadeias de valor são propriedade coletiva (acionistas) e gerenciadas por “não proprietários” (presidentes e CEO’s) quanto porque não apenas as cadeias como os consumidores passaram a cobrar estes valores sobre o que compram. Pautada nestes conceitos populariza-se a Governança Corporativa, e desta nova forma participativa de gestão empresarial veio a pós-NGP, que incluía participação dos cidadãos e grupos civis nas tomadas de decisão (Cavalcante, 2018).

                Quando os mais variados setores passam a ter voz ativa, várias pautas emergem como objetivos a serem atendidos, o que motivou infinitos debates em âmbito mundial sobre as agendas mais urgentes, culminando na coroação do conceito de Desenvolvimento Sustentável, que tenta aliar crescimento econômico com efetividade social e ambiental. Na esfera pública, vários caminhos foram desenvolvidos para atingir-se tal objetivo, em encontros mundiais (como na Rio 92) e locais, tornando-se uma preocupação geral que impactou no mercado, conscientizado das conseqüências danosas de determinadas práticas produtivas para a própria continuidade de determinada atividade (com escassez de água para a agricultura) ao mesmo tempo que crescia o número de consumidores avessos a produtos de empresas irresponsáveis.

                Sendo assim, em 2004 a ONU lançou um conceito direcionado à responsabilidade empresarial que vem se tornando uma febre entre as grandes transnacionais, Environment, Social and Governance  - ESG(UN, 2004; Chirst, 2021). Esta proposta das Nações Unidas mobilizou uma rede mundial, com o desenvolvimento de vários indicadores e alguns padrões que, ao tornarem-se critérios de avaliação da governança também de estatais (isso é muito forte no Brasil), aos poucos pode estar criando uma nova interface entre gestão pública e privada. Como se tentará esboçar aqui, o IEG-M pode ser usado estrategicamente como um indicador de ESG. Segue uma descrição histórica do conceito de ESG, uma sistematização básica de seus critérios, como se tornou predominante no Brasil e, por fim, como o IEG-M pode ser pensado neste contexto, sem que se modifique seus critérios próprios.

                

i. Eficiência com sustentabilidade: difusão da gestão ESG

                Existe um vasto material recente sobre ESG, que futuramente deve ser destrinchado como continuidade deste projeto sobre Governança Pública. As informações sobre o tema trazidas neste texto concentram-se em duas dissertações de mestrado, de Luiz Christ (2021, EAESP-FGV)  e Maria Raquel da Costa (2018, FEA-USP), que trazem uma boa introdução histórica e conceitual, cujas informações e referências batem bastante.

                Toda a discussão sobre sustentabilidade ganhou uma síntese fundamental na definição de Triple Botton Line, cunhada por John Elkington ao final dos anos 1990 (Elkington, 1998; Crist, 2021; Costa, 2018), que sistematiza a sustentabilidade empresarial em aspectos sociais e ambientais, como balizas reguladoras do desempenho econômico. Dois anos após a publicação de Elkington foram criados os Principles for Responsible Investment, iniciativa do Pacto Global, que se tornou a orientação da ONU na criação do conceito de ESG. Em meio a várias iniciativas ao redor do globo para operacionalizar tal proposta, em 2010 foi criada o International Integrated Roporting Concil – IIRC, responsável pelo modelo universalizador Sustainability Accounting Standards Board – SASB, de 2011. Segue um gráfico com a evolução das empresas signatárias dos Principles for Responsible Investment entre 2006 e 2021:



(Christ, 2021; p.16)

                Dado que a efetividade material, tanto relativos aos retornos financeiros no setor privado quanto à qualidade dos serviços do setor público, consiste em um pressuposto de qualquer gestão, definiu-se substituir os indicadores meramente econômicos por governativos, reforçando que os retornos são legítimos desde que atingidos sobre qualidade de governança (transparência, equidade, prestação de contas e conformidade normativa), tal que o “econômico” do Triple Botton Line transformou-se em governança, consolidando a sigla ESG (Environmental, Social and Governance). Note-se que que houve um salto no número de signatários após o estabelecimento dos ODS’s da Agenda 2030, em 2015, confirmando a tendência de a sustentabilidade cada vez mais ser considerada nos negócios. Conhecer os critérios fundamentais defendidos pelo IIRC é básico para entender todas as iniciativas que adequação gerencial à esta novidade, e disso será ocupada a próxima sessão.

 

ii. O que é ESG

                Segundo as orientações do IIRC, os três princípios de ESG podem ser fragmentados em cinco: i) meio ambiente (Environment), ii) capital social e iii)capital humano (Social), iv) lideranças e governança (Governance) e v) modelo de negócios e inovação, este último resgatando efetividade finalística, fundamental tanto para o setor público quanto para o privado. Pode-se ver mais detalhadamente do que estes cinco princípios versam na tabela abaixo:


(Christ, 2021)

 

                Em relação ao “Environmental” nenhuma alteração, ao passo que no aspecto “social” diferenciou-se os aspectos relacionais (capital social) dos diretamente ligados ao capital humano, que trata das pessoas indivitualmente (condições de trabalho e inclusão identitária). Considerando-se que a efetividade dos resultados é o objetivo final das boas práticas, a inclusão de modelos de negócios e inovação, que antes compunham uma dimensão paralela à ESG, realmente é importante na medida em que os princípios de ESG passam a constar como critérios de decisão para investidores, e trazê-los para a avaliação da gestão revela-se uma necessidade.

                Como foi exposto, não cabe aqui uma reflexão mais abrangente sobre a produção acadêmica no tema, porém, faz importante ao menos citar algumas referências, até para estudos posteriores. Existem vários trabalhos quantitativos a respeito, mas vale começar por trabalhos mais conceituais, como os de Bassen e Kovács (2008), bastante qualitativo e introdutório quanto aos conceitos básicos, e Friede, Busch e Bassen (2015), um balanço geral do que já havia sido produzido a respeito no momento em que se definiram os ODS’s. Além das dissertações já mencionadas, no Brasil também existem trabalhos importantes, e pode-se indicar o de Garcia, Orsato e Lugoboni (2018) e Cristófalo, Akaki, Abe, Morano e Miraglia (2016). Certamente há muitos outros referenciais valiosos sobre o assunto, mas estas quatro são um bom começo.

                Em relação à abrangência deste paradigma no Brasil, já no documento da ONU de 2004 onde cunha-se o termo ESG o Banco do Brasil consta na contracapa como parceiro, dentre os 23 parceiros fundadores. No mesmo ano a Bovespa (atual B3), adere à proposta. Não só adere, como já em 2005 inicia a elaboração do índice de Sustentabilidade Empresarial, indicador que seleciona anualmente 28 empresas autorizadas a usar o certificado de qualidade ESG, e dentre estas sempre constaram estatais, como o próprio Banco do Brasil, Cemig, Eletrobrás, o que sinaliza para a importância deste tipo de avaliação para qualificar o poder público direto e indireto, e questiona a inviabilidade da eficiência de empresas estatais. Por ouro lado, Petrobrás e Correios estão fora da lista, o que inspira um dilema entre vendê-las ou qualificá-las.

 

iii. IEG-M e seus indicadores

                Trazendo para a administração pública direta, no nível municipal do qual se ocupa o IEG-M, algumas considerações precisam ser expostas, até como sugestão para a apropriação dos princípios de ESG para a avaliação do poder público. A primeira idéia que  se precisa ter clareza é a avaliação da efetividade de retorno financeiro e competitividade torna-se muito relativa, posto que o objetivo do Estado não é o lucro, mas o bem estar do cidadão. Com isso, apesar da capacidade institucional gerencial consistir em um fator chave para atração de empresas e incentivo à iniciativas locais, faz sentido o “Índice” dos Tribunais de Contas não avaliar competitividade de mercado e desenvolvimento e econômico propriamente ditos, até porque existem outros indicadores de qualidade para este fim. O segundo fator a ser considerado ao se comparar é considerar que o capital social está mais ligado à capacitação para operar em uma cadeia de valor, e o capital humanos (nos critérios do IIRC) está mais relacionado à qualidade de vida, por isso foram associados ao i-Educação e i-Saúde, respectivamente. Isto posto, segue um quadro comparativo a partir do qual pode-se começar a pensar o IEG-M como um indicador de ESG:

 

ESG - ONU

IEG-M

IIRC

Environmental

i-Ambiental

Environmental

i-Cidades

Social

i-Educação

Capital Social

i-Saúde

Capital Humano

Governance

i-Planejamento

Liderança e Governança

i-Fiscal

i-GovTI

 

 

Modelo de Negócio e Inovação

 

                Já foi apresentado em outros artigos desta série “Auditoria de Resultados e Governança Pública” que o IEG-M estimulou uma associação entre sua avaliação e os ODS’s, o que deu origem ao Observatório do Futuro, no TCE-SP, e que serve de referência para o Brasil todo. Após toda a investigação empreendida ao longo de 2021 parece natural o paralelismo entre os 7 indicadores do IEG-M e ESG, o que não sugere que seria interessante qualquer alteração conceitual no indicador das agências de auditoria externa públicas: para que o IEG-M se fortaleça cada vez mais, é fundamental que continue vinculado à atividade fim de sua instituição criadora, a auditoria operacional. É, por natureza, um índice de avaliação da efetividade institucional, e não finalística, e ganha em ser pensado a partir de critérios metodológicos e epistemológicos das leis que regulam a ação do Estado, e não do mercado, nem de paradigmas internacionais; o que não impede que possa ser também pensado estrategicamente a partir de novos critérios.

 

iv. Conclusões

                Como claramente pode ser observado, se comparado aos 10 anteriores este texto teve um peso bem mais leve em relação ao rigor à referências acadêmicas e documentais. Os 7 indicadores do IEG-M já foram aprofundados, e exercitou-se aqui uma possibilidade de uso deste, como indicador de governança útil para atrair investimentos internos e externos, além de contextualizá-lo no debate internacional de avaliação das instituições no que tange aos anseios públicos e problemas urgentes como o da sustentabilidade, caso também das prefeituras. É sabido que tem-se aqui apenas uma sugestão, a ser desenvolvida e questionada, dentre várias outras possibilidades de contextualização e uso estratégico deste índice.

                No próximo e último artigo desta série(não necessariamente sobre o tema, pois a tendência é a continuidade dos trabalhos sobre auditorias de resultado/operacionais) serão trazidas algumas reflexões gerais e uma descrição da rede de interlocutores que surgiram ao longo de 12 meses. Será apenas um balanço, um accountability, numa atmosfera de extrema gratidão aos que colaboraram (sem citar nomes).

 

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do NEA+/Unicamp e CEAPG/FGV e-mail: marcosrehder@gmail.com

 

Link com os esboços já publicados desta série sobre “Auditoria de resultados e governança pública”:

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2021/01/o-iegm-e-transformacao-sustentavel-nos.html

 

 

Referências

BASSEN, A.; KOVÁCS, A.M. (2008). Environmental, social and governance key performance indicators from a capital market perspective. Zeitschrift Für Wirstschafts-Um Unternehmensenthik. 9(2).

 

CAVALCANTE, P. (2018). Convergências entre a Governança e o Pós-Nova Gestão Pública. in Boletim de Análise Político-Institucional Ipea v.1, pp.17-24

 

CHRIST, L.F (2021). Eventos ESG negativos: a influência do portfólio do investidor. São Paulo: dissertação de mestrado. EAESP – FGV

 

COSTA, M.R.M. da (2018). Avaliação do desempenho de empresas de energia elétrica no Brasil sob a ótica de variáveis ambientais, sociais e de governança corporativa. São Paulo: dissetação de mestrado. FEA-USP.

 

CRISTÓFALO, R. G.; AKAKI, A. S.; ABE, T. C.; MORANO, R. S.; MIRAGLIA, S. G. E. K. Sustentabilidade e o mercado financeiro: estudo do desempenho de empresas que compõem o índice de sustentabilidade empresarial (ISE). REGE- Revista de Gestão, v. 23, n. 1,

 

ELKINGTON, J. (1998). Cannibals with forks: the Triple Botton Line of sustainability. Bagriola Island: New Society Publishers.

 

FIREDE, G; BUSCH, T; BASSEN, A. (2015). ESG and ficancial performance: aggregated evidence from more than 2000 empirical studies. Journal os Sustainable Finance & Investment. 5(4).

 

GARCIA, A.S.; ORSATO, R.J; LUGOBONI, L. (2018). O desempenho empresarial nos fatores “ESG-Environment, Social and Governance” em diferentes ambientes institucionais. Curitiba: EnANPAD.

 

UNITED NATIONS – UN (2004). Who cares wins. Nova York: United Nations

 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Aprendizado e alternativas no Projeto Inova Juntos – CNM: caso de Águas da Prata

A agroindústria na Economia Verde

POR QUE NÃO O PROTAGONISMO DO AGRO NA REINDUSTRIALIZAÇÃO?