A agroindústria na Economia Verde
A agroindústria na Economia Verde
“Projeto Agroindústria 2”
Marcos Rehder Batista
i. Introdução: atualizando o
paradigma do agronegócio
Mês passado Cândido Bracher, ex-presidente da Itaú
SA e responsável por um dos maiores empreendimentos nacionais de agricultura
sustentável, publicou um artigo
na Folha de São Paulo alertando para risco de a economia brasileira ficar para
a história como uma das economias relevantes que foi incapaz de compreender a
transição verde. Não entender as novas urgências e mudanças de valores exigidos
tanto na política quanto no comércio internacionais pode custar caro: em nível
internacional acarretando no fechamento de portas; em nível interno nas
conseqüências evidentes, como diminuição da disponibilidade de água e mesmo
prejuízos na qualidade dos solos (para não falar em impactos negativos em
relação ao bem estar da população). Este sinal de alerta vai no mesmo sentido
apontado por João Guilherme Ometto, liderança do setor sucroalcooleiro fundador
da Associação Brasileira de
Agribusiness (Abag), do Comitê de Agronegócio da FIESP e tornou-se membro do Conselho Universitário
da USP, que publicou uma série reflexões em torno da COP 27 e de pautas
urgentes para realinhar nosso agronegócio sob bases sustentáveis.
Se
no primeiro
texto desta série a preocupação central era repensar o papel da agropecuária
como propulsora importante na reindustrialização (como demandante de bens de
produção, como máquinas e tecnologias), o que não só olha para o setor como
capaz de agregar valor em produtos diferenciados como aponta alternativas para
a superação da idéia de que industria e atividades rurais fazem parte de
universos diferentes, agora o objetivo é trazer alguns elementos sobre o quanto
a preocupação ambiental, muito além de limitações, traz oportunidades para o
agronegócio, sobretudo porque impulsiona o desenvolvimento tecnológico. Na
segunda sessão partirei de como alguns economistas do chamado Novo Desenvolvimentismo entendem a
conexão entre o setor e a indústria e como explicam o ganho de produtividade a
partir de inovação sustentável - nos termos de Mariana Mazzucato, o papel do agro
sustentável na missão da Economia Verde;
na sequência, uma exposição sobre o que diz Ometto a respeito. Na quarta,
tratarei do que alguns trabalhos recentes da economia agrícola sobre o assunto,
no volume
publicado pela Embrapa este ano, em virtude da comemoração de seus 50 anos. Por
fim, algumas palavras sobre como o que foi trazido na segunda e na quarta
sessão potencializam a solução dos problemas indicados por Bracher e Ometto.
Alguns apontamentos recentes de Rogério Studart,
ex-diretor no BID e no Banco Mundial, vão exatamente neste sentido, ressaltando
não apenas o quanto tirar o atraso
na agenda da redução da emissão de carbono deve trazer investimentos para
nossa economia e avanços tecnológicos substanciais, como também trata do
desafio em relação à insegurança
alimentar (sustentabilidade social). Em 2020, na oportunidade da divulgação
de novo estudo do WRI Brasil e da New Climate
Economy sobre oportunidades para uma nova economia resiliente, Studart e outros
autores indicam que a adoção de critérios de baixo
carbono em nosso sistema produtivo levará à um aumento de US$ 535 bilhões no
PIB do Brasil até 2030. Em outras palavras, o setor envolve uma amplitude
imensa de outras questões, e pode ganhar respondendo a elas, e as palavras que
se seguem vão exatamente neste sentido.
ii. Papel
da agroindústria na missão industrial da Economia Verde
Não à toa que a sessão introdutória termina com as idéias de um ex-diretor do Banco Mundial, não exatamente especialista em economia agrícola. Não é de hoje que pesquisadores da economia industrial, ecológica, da inovação e do desenvolvimento discutem as atividades rurais de grande porte, e recentemente vem surgido pontos de confluências. Na medida em que lideranças e especialistas do agrobusiness, além de sustentarem suas próprias demandas, respondem às de outras áreas de atividade e conhecimento, sem dúvida fortalecem ainda mais o protagonismo do setor em um projeto nacional de desenvolvimento, aumentando sua força política e econômica, seu prestígio no cenário nacional e internacional. Atualmente, o setor está fortemente inserido na chamada “missão” para atingir a Economia Verde, que Mariana Mazzucato chama de Green-New-Deal, envolvendo o maior leque possível de setores econômicos (e suas respectivas indústrias de bens e insumos) para um objetivo geral, conciliando atores públicos e privados.
Em trabalhos recentes, ela destaca que o financiamento do BNDES para a agricultura de precisão foi fundamental para a recuperação do Brasil pós-2008, e no começo deste ano publicou um relatório sobre alternativas para a América Latina direcionadas para um Desenvolvimento Sustentável (esteve este ano num encontro do BNDES, inclusive). Aponta que o desafio da reindustrialização não deveria mais estar pautado na idéia de substituição das importações e na definição “de cima para baixo” de setores prioritários e empresas “campeãs nacionais”, característicos de uma “era 2.0” e “3.0” e anterior aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, mas em como as demandas urgentes da sociedade apontam para um caminho (um path) acelerado pela inovação tecnológica e aprimoramento nas regras (instituições): a política agroindustrial brasileira com cuidados ambientais foi apontada com um caso de sucesso na América Latina. Mas como é possível encontrar elementos no Novo Desenvolvimentismo para abordar a questão?
Tal conexão na Economia Verde entre a agropecuária e a indústria já era uma preocupação do Novo Desenvolvimetismo antes mesmo da agenda ambiental ganhar a dimensão que possui hoje. Recentemente, Bresser-Pereira explicou que esta antítese entre a indústria e o agro é algo abraçado pelo próprio campo, e em casos em que as atividades rurais são postas de forma articulada com a transformação (como demandantes e demandadas) tem-se resultados impressionantes, como acontece no Sudeste Asiático e na Europa Ocidental (cita o caso recente da Coreia e o antigo da Alemanha de Bismark). Também o novo desenvolvimentista Paulo Gala, em seu livro “Complexidade Econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações”, parte do Atlas da Complexidade desenvolvido por pesquisadores do MIT e Harvard para ir na mesma direção. O autor, que publicou comentários positivos a respeito da reflexão que fiz sobre o papel da produção de insumos agrícolas na reindustrialização, afirma que os complexos agroindustriais podem ser importantes propulsores para a complexificação de uma economia na medida em que são capazes de agregar uma enorme gama de indústrias em seu entorno, sobretudo de insumos.
Indo direto à missão da Economia Verde (de baixo carbono), ano passado Nelson Marconi
(EESP-FGV), que acompanha Bresser-Pereira desde antes do Plano Diretor da
Reforma do Aparelho de Estado (PDRAE) e esteve junto a esta escola de
estratégia econômica para países de renda média desde sua gênese, esboçou
uma proposta de desenvolvimento pautada no que outros chamam de bioeconomia,
diferente da já conhecida tendência desenvolvimentista desde os anos 1950 em
focar projetos nacionais ancorados na industria de bens de consumo duráveis.
Evidentemente indica esta como uma dentre várias trajetórias não excludentes, em
uma reflexão também iniciada em 2022 em torno do projeto “Análise e Proposições de Políticas Públicas e Econômicas para o
Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo no Brasil”, coordenado por Bresser-Pereira
e do qual ele também faz parte.
Neste texto Marconi salienta
a necessidade da superação da idéia de que uma economia sustentável carece do
chamado degrowth, indicando algumas
oportunidades em energia e transportes, infraestrutura e no agronegócio capazes
de transformarem um projeto de desenvolvimento em ambientalmente resiliente e
repleto de oportunidades para o crescimento. Especialmente no que se refere à
agropecuária, destaca as cadeias produtivas que podem ser potencializadas para
a recuperação de áreas degradadas, incentivo à pecuária intensiva, uso racional
de defensivos (ou, como preferem os agricultores, agroquímicos), aumento no uso
de bioinsumos e na agricultura de precisão. Tais pontos vão totalmente ao encontro
do que foi defendido em meu artigo de maio.
Em relação à esta conexão entre agropecuária e
indústria, dentro do escopo aqui proposto, acredito pontuar que de fato há a
necessidade de conscientização dos produtores agrícolas de que eles fazem parte
de uma gigantes rede de indústrias (fornecendo matéria prima e demandando
insumos), ao mesmo tempo que os planejadores do desenvolvimento também
entenderem a envergadura do agrobusiness
como compradores de insumos industriais e sujeitos à diferenciação de produto
(A qualidade de nossa carne assemelha-se à da Argentina? Nosso leite? Nosso
trigo? Solucionar isso agrega valor às sacas e toneladas). Mas este é assunto
para artigos futuros; no caso deste, voltemos à sustentabilidade ambiental.
Do Centro de Estudos do Novo
Desenvolvimentismo da FGV, provavelmente o que mais se aprofunda sobre a
adaptação da agropecuária à missão da Economia
Verde e o quanto isso pode ser lucrativo é José Antonio Puppim de Oliveira.
Desde a Rio+20, momento que sustentabilidade ambiental, econômica e social
definitivamente foram sintetizadas em torno da idéia de Economia Verde, Puppim de Oliveira vem trabalhando a questão,
chegando a organizar um volume sobre as conseqüências do encontro no Rio de
Janeiro já no mesmo ano em que aconteceu, em 2012. No capítulo conclusivo ele
retoma os demais trabalhos reunidos, apontando que a meta de repensar o
desenvolvimento pós-crise de 2008 em uma trajetória de baixo carbono - o
paradigma da Economia Verde - se
depara com o desafio de não haverem experiências em escala, projetos nacionais
neste sentido, como referências a serem seguidas; muito menos a integração de
várias políticas resultando em um novo padrão sustentável, já salientando o
papel da tecnologia neste projeto. Num outro texto publicado no mesmo ano já
faz uma série de apontamentos sobre como esta nova realidade incide sobre a
atividade agropecuária.
Nele, depois de contextualizar historicamente como se
chegou às pautas da Rio+20, a busca de um arcabouço institucional que leve à um
desenvolvimento ambientalmente sustentável que erradique a pobreza, vai no
mesmo caminho de Marconi ao apontar que muitas vezes o que se observou foi uma
relação direta entre pobreza e degradação ambiental, de modo que crescimento
não contraria sustentabilidade. Quanto às atividades rurais, sustenta que a
agricultura sustentável pode sim substituir os modelos produtivos que se
tornaram convencionais na “revolução verde” dos anos 1970, a partir de quando
houve um aumento vertiginoso da produtividade através de novas tecnologias,
porém comprometendo insumos caros ao agricultor, como fertilidade e acesso à
água.
Enquanto nestes trabalhos de 2012 Puppim de Oliveira foca predominantemente no pequeno agricultor, em 2018 publicou um trabalho em coautoria com Saleem H. Ali (Univ. de Delaware – EUA) que não apenas aprofunda sobre a viabilidade econômica da Economia Verde como abre caminhos mais claros para uma reflexão acerca do agrobusiness. Partindo da discussão sobre a chamada Curva Ambiental de Kuznets, que sustenta que no longo prazo é possível perceber que o crescimento na economia sem controles ambientais leva a deterioração dos insumos que a produção depende e à percepção do desperdício (prejuízo) e assim leva à diminuição do uso predatório dos recursos naturais (prejudiciais tanto para a economia quanto para o bem-estar), eles sustentam que incentivos no curto prazo levarão a retornos marginais no longo prazo permitem aos produtores vislumbrarem uma situação de ganha-ganha, tornando no futuro os subsídios desnecessários (compensações para os produtores e incentivos para o desenvolvimento tecnológico). Esta tendência natural à busca por soluções sustentáveis seria aprofundada pela inovação tecnológica (ecoinovação), apontando para uma Economia Circular ou Economia Verde.
Segundo os autores, alguns
exemplos em atividades rurais tornaram-se simbólicos sobre a percepção dos
produtores do prejuízo que a economia não sustentável acarreta. O mais enfático
seria em Gana, onde produtores próximos à minas altamente poluidoras perceberam
uma redução na produtividade de quase 40% entre 1997 e 2005,
tornando evidente a dependência da agropecuária em relação aos serviços
ecossistêmicos.
É importante ressaltar aqui que mesmo o setor agroindustrial nunca ter sido o foco do Novo Desenvolvimentismo e nem apontado nele como alternativa para impulsionar a reindustrialização, há subsídios em alguns trabalhos de pesquisadores proeminentes nesta tradição de estratégia para o desenvolvimento para situar o agrobusiness tanto numa retomada industrial como enquanto agente fundamental em um projeto nacional de desenvolvimento “verde”, desde que haja uma forte conexão entre as atividades rurais e a indústria (sobretudo a de bens de produção). Dos breves apontamentos descritos aqui, é possível sintetizar alguns tópicos:
- Problema ideológico de se insistir na oposição entre o agronegócio e a indústria
- A diminuição do desperdício no uso de agroquímicos gera lucro, e não prejuízo
- O uso racional dos recursos naturais é fundamental para garantir retornos crescentes na agropecuária
- A recuperação de áreas degradadas aumenta a produtividade, e não restringe
- A adequação da agropecuária ao paradigma da Economia Verde depende, sobretudo, da pesquisa científica e da inovação tecnológica
Considerando que sobre a conscientização da conexão entre o agronegócio e a indústria foi tratado no esboço publicado em maio, deixarei para tratar dos recentes desafios científicos e tecnológicos na penúltima sessão, concentrando as atenções a seguir em apresentar como os setores mais atualizados das atividades rurais tratam os tópicos 2, 3 e 4.
iii. Com a palavra, o agronegócio
No que se refere à
sustentabilidade ambiental, um primeiro dado frequentemente trazido por
trabalhos acadêmicos de pesquisadores e formadores de opinião do setor são os
“polêmicos” 66% de vegetação natural preservada no país, e antes de ir direto
aos três pontos acima que discutirei nesta sessão (controle do uso de
agroquímicos, uso racional de recursos naturais e recuperação de áreas
degradadas) é interessante entender que este número é compreensivelmente
carente de uma atualização recente. É retirado de um estudo sobre o Cadastro Ambiental Rural publicado pela
Embrapa em 2021 com dados de 2017, baseados em autodeclaração dos
proprietários, o que em si geraria dúvidas. Por isso, podemos recorrer à dados
no INPE, cuja a última divulgação foi no final de 2022 (ainda sob o governo
anterior), e sendo dados de 3 governos diferentes e monitorados por satélites,
podem trazer uma confiabilidade muito maior. Seguem os dados do INPE:
Fonte: http://terrabrasilis.dpi.inpe.br/downloads/
A partir desta tabela, que foi selecionada do mapa
original, é possível dizer que em 2017 tínhamos entre 61 e 62% da vegetação
nativa preservada no Brasil, valor que chegou a ser apontado
por Ometto em 2021; ao final do mesmo ano tínhamos 59%. Ou seja, para tratar
desta questão com objetividade, considerando que as grandes forças no cenário
internacional devem conseguir ao toque de um botão informações detalhadas sobre
nós através de seus satélites, é necessário trabalhar com números precisos;
lógico, que quisermos ser levados a sério. Conforme foi vastamente visto nos jornais,
é importante salientar que a maioria esmagadora deste desmatamento recente
ocorreu em terras indígenas e reservas públicas, promovido muitas vezes pelo
crime organizado, não sendo possível atribuir este peso à atividade
agropecuária. Esclarecida esta dúvida, vamos à como João Guilherme Ometto
responde aos três tópicos no debate que empreendeu quanto à expectativas e resultados
da COP 27.
A partir do setor sucroalcooleiro, diretamente
ligado
à energia limpa, ele foi um dos fundadores Associação Brasileira de Agribusiness
(Abag), dedicou-se à integração Universidade-Empresa como membro do Conselho
Universitário da USP e reposicionou a atividade rural dentro da FIESP, criando
seu Comitê de Agronegócio (algo diretamente sintonizado com meu artigo de
maio). Frequentemente se coloca sobre questões de sustentabilidade, e por isso
foi tomado aqui como referência no agronegócio.
No
início de novembro de 2022, véspera do início da COP 27, Ometto publicou no Diário do Comércio algumas de suas expectativas tanto em relação ao
encontro internacional quanto dos desafios para o governo iniciado este ano.
Apesar de nesta oportunidade se embasar nos 66% de preservação, sustenta a
necessidade de retomarmos nosso protagonismo ambiental, falando principalmente
de 2 dos três tópicos: uso racional dos recursos naturais e recuperação de
áreas degradadas. Sobre o uso racional
dos recursos defende que 33,2% da área preservada encontra-se em áreas
particulares, e que precisamos sim proteger com urgência e firmeza o Pantanal e
a Amazônia, além de “outros santuários de nossa
natureza”, mantendo nossas florestas em pé, além da retomada do Cadastro
Ambiental Rural e do Programa de Regularização Ambiental, o que pressupõe-se
envolver a identificação de quem não cumpriu a “lição de casa”. Ressalta o
potencial de uso de tecnologia em agricultura de precisão (sobretudo para
redução do uso de agroquímicos) e uso de bioinsumos, conforme irá aprofundar em
artigo publicado na segunda quinzena do mesmo mês (a
ser usado na introdução à próxima sessão). São iniciativas fundamentais para
que nos habilitemos para emissão dos Green
Bounds, títulos que garantem pagamentos por comprovada agricultura
sustentável.
Se em suas
expectativas para a COP 27 ele fala pouco sobre a recuperação de áreas
degradadas e concentrar na proteção do que ainda existe, em sua avaliação dos resultados publicada ao
final de janeiro de 2023 ele aborda com mais detalhes. Indica uma série de
inovações para preservação e recuperação, como tecnologias “poupa terra” apontando
a necessidade de recuperação de áreas degradadas, sobretudo áreas de plantio;
isso aumenta a área disponível sem necessidade de desmatamento. Ainda sobre
formas de recuperação das áreas produtivas, em fevereiro último defendeu a iniciativa do atual governo federal de
recuperar R$ 40 milhões de hectares com pastagens degradadas, através de três
métodos diferentes: recuperação direta, renovação/replantio e rodízio
pecuária/agricultura/reflorestamento.
Em suma, Ometto fala de recuperação de áreas (regularização pressupõe identificação de quem não respeitou a legislação) e muito sobre uso racional de recursos, além de soluções tecnológicas para maior parcimônia no uso de agroquímicos. Independente da questão de atualização dos números sobre desmatamento e ponderações sobre a medida em que o agro “fez sua lição de casa” para a Agenda 2030, aponta caminhos importantes e defende que o desenvolvimento rural seja sustentável: mais do que isso, é uma liderança inconteste do setor que cobra isso do governo. Concorda com os apontamentos de Cândido Bracher, e é um parceiro fundamental na missão da Economia Verde, de baixo carbono. Se o Brasil tende a cumprir o compromisso de reduzir entre 2016 e 2025 37% das emissões, e 50% das emissões até 2030, isso se deve em muito por dos quase 43% de nossa energia vir de fontes limpas, 17% ser do setor sucroalcooleiro (para não contar a produção de biodiesel e da biomassa).
iv. Para novos desafios, novos
diagnósticos
É notável o quanto João Guilherme Ometto associa a
solução de questões ambientais ao desenvolvimento e uso de inovações que
garantam o uso sustentável dos recursos naturais sem perda de lucratividade. No
já citado artigo
pós COP 27, ainda em novembro de 2022, ele retoma um dado que frequentemente
usa para frisar o avanço tecnológico obtido no Brasil nas última 4 décadas, um
aumento de 386% da produção com ampliação de apenas 33% da área cultivada,
destacando 5 avanços principais recentes: sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta; plantio direto; fixação
biológica de nitrogênio; uso de bioinsumos e; ferramentas de agricultura de
precisão, como GPS agrícola, sensoriamento remoto, robótica, irrigação
automatizada e aplicação de insumos em taxa variável, conforme necessidades
específicas, monitoradas com o uso de drones e computadores. Como
pode-se observar, todas com impactos diretos sobre os três tópicos discutidos na
sessão anterior, apontados no Novo
Desenvolvimentismo: controle
do uso de agroquímicos, o uso
racional de recursos naturais e recuperação
de áreas degradadas.
Neste ano a Embrapa
faz 50 anos, a principal responsável por articular
a pesquisa científica de modo a atingirmos
estes resultados, e lançou uma série de trabalhos sobre os seus
resultados, incluindo o volume O
Futuro da Agricultura Brasileira: 10 Visões com projeções para o
futuro. Nele, referências como José Eustáquio Vieira Filho, Carlos Melles,
Daniel Carrara, Francisco Turra e Marcos Fava Neves, este último aprofundando
os pontos mencionados por Ometto. Para a finalidade aqui proposta, me
concentrarei no último artigo do livro, “Agropecuária de baixo carbono e inovação: uma agenda
essencial para o futuro da agropecuária brasileira”, de Rodrigo Lima e Leila Harfuch.
Como o próprio título sugere, o
foco dos autores são tecnologias mitigadoras (ou, adaptadoras) da emissão de
carbono, e como políticas internacionais e nacionais induziram a crescente
descarbonização da agropecuária nacional. Tomando por referência o Trabalho Conjunto de Koronivia sobre
Agricultura, criado em 2017 e que empreendeu importante esforço para
compreender as diferentes realidades quanto à capacidade de cada país em
adequar sua realidade aos acordos internacionais direcionados para a Agenda
2030, mas foi paralisado em 2021. Foi tempo o suficiente para a criação do Plano de Adaptação à Mudança do Clima e
Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (Plano ABC+) que, segundo os autores, pode ser um bom ponto de
partida para a retomada de uma política de agricultura de baixo carbono capaz
de sair do papel. Seu antecessor, o Plano ABC, que vigorou entre 2010 e 2020,
foi capaz de reduzir a emissão de 170 milhões de toneladas de dióxido de
carbono, e consistiu em um exemplo mundial. Segue uma previsão retirada do
artigo, de redução de emissão de CO2 diagnosticada pelo Plano ABC+:
Sobre o uso racional dos recursos naturais, que consiste em evitar o
desperdício e a otimização dos insumos (sobretudo solo e resíduos) aponta-se 5
técnicas desenvolvidas por pesquisa: 1) sistema
de plantio direto de grãos e 2) de
hortaliças, que usam como fertilizantes os resíduos orgânicos da safra
anterior; 3) sistema irrigados, que
quando aprimorados pela agricultura de precisão racionalizam o uso de água; 4) terminação intensiva (criação intensiva),
que exige menores extensões de terra para criação de gado e, com isso, menor
desmatamento e; 5) manejo de resíduos
animais, que reutiliza tanto para fertilização (evitando contaminação da
água) quanto geração de energia (evitando contaminação do ar).
Em relação à recuperação de áreas degradadas,
tópico também apontado como primordial pelos novo desenvolvimentistas para contextualizar a agropecuária em uma estratégia de desenvolvimento verde, é
possível enumerar 4 destes métodos apresentados no quadro: 1) recuperação de pastagens, importante
para a retenção de carbono e evitar novos desmatamentos; 2) sistemas agroflorestais, capaz de
mitigar a perda de serviços ecossistêmicos, conciliando com a produtividade; 3)
integração lavoura-pecuária-floresta,
capaz de recuperar o solo, que já era conhecida, mas agora inclui
reflorestamento e; 4) florestas plantadas
que, sobretudo em matas ciliares, recupera de forma mais contundente serviços
ecossistêmicos e garante o volume de água.
Falta um aprofundamento sobre
dois fatores que poderiam ser melhor trabalhados no Plano ABC+ (ou, no artigo):
o papel da agricultura de precisão e o potencial dos bioinsumos. Em relação ao papel da agricultura de precisão na
mitigação do desperdício e do risco agrícola (por extensão, ambiental), escrevi
há algum tempo a respeito. Sobre o potencial dos bioinsumos, amplo leque de alternativas biológicas a insumos
químicos, um outro texto no mesmo volume da Embrapa traz maiores detalhes.
No artigo de Daniel Carrera,
engenheiro agrônomo diretor nacional do SENAR, os altos preços de insumos a as
novas exigências no consumo de produtos agrícolas levaram à progressiva
substituição de agroquímicos por bioinsumos
(substituição defendida também no artigo de Fava Neves), um amplo leque de
soluções de origem biológica que vão desde promotores de crescimento de plantas
a agentes de controle de pragas e doenças. Sobre estes últimos, que incidem
diretamente na redução do uso de agrotóxicos, Carrera aponta um aumento anual
em seu uso no Brasil de 42%, contra 16% na média mundial. Apesar do já criado
Programa Nacional de Bioinsumos, o autor admite a necessidade de melhor
estruturação da iniciativa, sobretudo devido à ausência de segurança jurídica e
instâncias de regulação da qualidade. É algo urgente dada a importância deste
fator de produção para que seu uso potencialize a sustentabilidade ambiental no
agronegócio, satisfazendo tecnologicamente um dos três fatores fundamental para,
segundo apontamentos do novo desenvolvimentismo, incluir as atividades rurais
num projeto nacional de desenvolvimento verde.
v. Algumas palavras, finais e
futuras
Como foi salientado ao final da sessão introdutória, Rogério Studart apontou uma série de questões importantes que teremos que enfrentar, caso o Brasil resolver resgatar seu protagonismo no debate ambiental internacional. No mencionado artigo sobre o relatório da WRI, em que ele foi coautor principal, aponta pelo menos três motivos para assumirmos o que, como Mariana Mazzucato, chama em outro artigo de Green New Deal: 1) a dependência agrícola dos serviços ecossistêmicos pode comprometer o regime de chuvas em biomas fundamentais, levando a uma queda de produtividade estimada em até 60% (sobre as particularidades dos biomas nos desafios ambientais da agropecuária, interessante ver trabalho recente coordenado por Antonio Márcio Buainain); 2) terá que enfrentar a piora na qualidade do ar, com seus impactos sobre o sistema de saúde e; 3) o afastamento de investidores estrangeiros. São muitas as pautas de discussão acerca das urgências ambientais em relação às atividades rurais.
Como foi visto, aqui optou-se sistematizar alternativas para o agronegócio responder a algumas questões (marginais, mas importantes) levantadas pelo Novo Desenvolvimentismo. Este viés foi escolhido tanto porque coincide com a discussão inicial de maio sobre o quanto o setor movimenta a indústria de insumos quanto porque a reindustrialização é atualmente a preocupação central da escola liderada por Bresser-Pereira, de modo que discorreu-se a respeito das soluções tecnológicas para uma melhor inserção do agrobusiness em um projeto nacional de Economia Verde (também principal bandeira do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Neste debate, referências como Cândido Bracher e, sobretudo, João Guilherme Ometto são fundamentais.
É possível dizer que todos os autores citados aqui
possuem preocupações semelhantes em relação à descarbonização de nossa
economia, e que uma integração agropecuária-indústria pautada em tecnologias
verdes. O próprio Studart aponta no texto da WRI que a restauração de pastagens
degradadas pode gerar um valor agregado de US$ 3,7
bilhões, e que os benefícios podem variar até US$ 34 milhões para pecuaristas,
US$ 120 milhões para processadores e US$ 62 milhões para varejistas.
Logicamente, as informações aqui apresentadas podem ser melhor
sistematizadas para um direcionamento de uma política nacional para o campo,
ganhando características especiais tanto para agricultores familiares quanto
para os grandes. Da mesma forma que é fundamental superarmos a separação entre
a agropecuária e a industrial, é igualmente urgente a difusão em todo o setor
da mentalidade de que a sustentabilidade ambiental não limita o crescimento,
mas o potencializa, por vários motivos.
Antes de retomar como a agropecuária pode impulsionar os diversos setores
industriais de produção de insumos, há toda uma variedade de temas que pretendo
levantar aqui, como a mecanização da agricultura familiar, os riscos ambientais
para as atividades rurais no vários biomas e o papel da agroenergia para
atingirmos as metas da Agenda 2030.
Em breve vem mais coisas
Marcos Rehder Batista, pesquisador do NEA+/IE-Unicamp, do SP in Natura Lab/FCA-Unicamp e do CEAPG/ EAESP-FGV. E-mail: marcosrehder@gmail.com
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