Os agentes econômicos no controle dos riscos emergentes no Agro 4.0
Fonte: Tecnologia no campo é foco de consulta pública - MundoCoop
Os
agentes econômicos no controle dos riscos emergentes no Agro 4.0
Marcos
Rehder Batista
Não é de hoje que agropecuária
chama a atenção por um uso intensivo de tecnologia de modo mais acentuado do
que em outras atividades no país. Por isso, os impactos da Indústria 4.0 tem
consequências aceleradas na agroindústria, tanto no tocante ao uso sustentável
dos recursos quanto às TIC’s (conectividade, rastreamento, monitoramento,
processamento de informação e Inteligência artificial). A criação dos 6
Centros de Pesquisas Aplicada em Inteligência Artificial, projeto federal
aprovado no último dia 4, terá um papel fundamental na coordenação desta
transformação no país, e o da Unicamp trabalhará diretamente com o Agro 4.0. Este
esboço procura contextualizar as atividades rurais dentro das atuais políticas
de desenvolvimento da Economia 4.0 (ou, como a bioeconomia é vista hoje dentre
as cadeias de valor da Indústria 4.0), novos desafios para o Agro 4.0 diante de
novos riscos na produção, algumas iniciativas e oportunidades que ilustram esse
novo momento e, por fim, quais as transformações na governança dos agentes
diante dos novos elementos nos diagnósticos do risco agropecuário, apontando
caminhos para um programa de trabalho sobre as questões apontadas aqui.
No dia 7 do mês passado a Câmara
Agro 4.0 aprovou o Plano de Ação 2021-2024, que visa uma digitalização mais
robusta das atividades rurais. Faz parte do “Plano Nacional da Internet das
Coisas”, programa do MCTI que neste caso faz uma parceria com o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MCTI e MAPA, 2021). O uso intensivo de
tecnologia é a maior marca das atividades agropecuárias brasileiras,
impulsionado pela criação da Embrapa nos anos 1970 e em uma evolução constante
a partir da fantástica rede de pesquisadores espalhados por nossas instituições
de ensino e pesquisa federais e estaduais, e com importante papel de entidades
privadas na extensão: o agronegócio certamente é o setor produtivo mais preparado
para entrar nesta nova realidade econômica, como já apontavam estudos da CNI (IEL/NC,
2018a) e IEDI (2019). Aliás, esta iniciativa vem a se somar a várias outras, e
a partir da próxima quinta-feira trarei periodicamente pautas sobre a
integração das atividades rurais brasileiras no universo “4.0”.
Como também ficou muito claro no
Fórum Brasileiro de Agronegócios, evento virtual ocorrido em 20/4, que contou
com lideranças políticas, empresariais e acadêmicas, existe uma preocupação
crescente com as novas condições de governança das cadeias de valor da
agropecuária digital e de precisão, relativos aos novos riscos inerentes às
novas tecnologias e às eminentes questões ambientais. Aqui será contextualizado
este novo ambiente e apontadas algumas pautas relativas à esta relação entre
mudança tecnológica, sustentabilidade e governança, que consiste na coordenação
das relações de competição e cooperação entre os vários atores com poder
decisório e autonomia que compõem este universo, garantindo a participação
ampla destes na construção de um projeto nacional de Agro 4.0. Esta coordenação
tem o desafio de negociar entre os diferentes interesses de produtores,
políticos, associações e agentes tecnológicos (locais, nacionais e globais),
além de incluir no processo atores que precisam ser incluídos nesta nova onda
de modernização, como agricultores e profissionais que tem dificuldade em
superar métodos tradicionais de atividade econômica.
Deste modo, este texto se divide
nas seguintes partes:
- Contextualização da agropecuária como protagonista deste novo momento da economia brasileira
- . A formação do Agro 4.0 nos últimos 10 anos
- . Iniciativas recentes em rastreamento, monitoramento e inteligência artificial
- . A Governança no Agro 4.0 nos projetos do MCTI e da ABDI
- . Desafios de expansão
1.
Contextualização da agropecuária como protagonista da modernização econômica
brasileira
É redundante falar do salto
tecnológico pelo qual passou a agropecuária brasileira nos anos 1970,
marcadamente com a criação da Embrapa e da consolidação de um sistema nacional
de P&D, que buscava envolver todos os setores. Como país tradicionalmente
agroexportador, foi natural que a inovação ganhasse destaque nas atividades
rurais, de modo que no final dos anos 1980 já não era mais tratada como uma
atividade tão distante da manufatura, e as concentrações produtivas das
principais culturas passaram a ser chamadas por muitos de complexos
agroindustriais (Kageyama et al., 1990; Salles Filho, 1993). Inclusive, já era
apontado que as inovações mais transformadores viriam de saltos organizacionais
e relacionados à informação e mecanização (Silveira e Olalde, 1993), já
confirmando a tendência ao que chamamos hoje de Indústria 4.0.
Esta ideia defendida neste
projeto que se inicia, de que a agroindústria (ou, agronegócio) é uma ponte
privilegiada para a entrada do Brasil no universo “4.0”, para através dela
atingir os demais setores da economia, é uma possibilidade aventada por
pesquisadores de peso especializados em economia industrial. No próprio projeto
“Indústria 2027” da Confederação Nacional da Indústria, coordenado por
referências na área da Unicamp e UFRJ, foi dado um papel de destaque para a
agroindústria, inclusive no que tange à biotecnologia e bioprocessos, não se
restringindo aos avanços em rastreamento, monitoramento, processamento de
dados, conectividade (IoT) e sistemas de suporte à tomada de decisão
(inteligência artificial), comuns a todas as áreas transformadas no sistema
produtivo da Indústria 4.0 (Coutinho et al, 2018; IEL/NC, 2018). Em relatório
do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, desdobramento do
“Indústria 2027” que contou com vários dos responsáveis pelo levantamento da
CNI para organizar conceito e iniciativas em Indústria 4.0 pelo mundo, dentre
as manifestações introdutórias aponta-se a potencial da agropecuária em liderar
a implementação da indústria digitalizada no Brasil, por ser o setor nacional mais
competitivo em nível mundial, em exportações, volume de produção e uso
intensivo de inovação de fronteira (IEDI, 2019).
Admitindo que o agro é uma
alternativa privilegiada para um projeto de cach up de todos os nossos sistemas
produtivos e das tecnologias que o integram, há de se pensar que os principais
impactos organizacionais começarão no campo. Todos os agentes envolvidos
enfrentarão transformações, isso quando não ficarem completamente de fora, como
trabalhadores de campo, turmeiros, vendedores externos, analistas operacionais,
entre outros. Por isso, começar a avaliar as mudanças irreversíveis na
governança entre os agentes que decidem ao longo de toda a cadeia (ou, todas as
cadeias) do agronegócio é urgente e serve de piloto para todos os demais
setores da economia, pois a tendência é que a nova dinâmica operacional tome
conta de tudo, inclusive da organização do Estado.
2.
Agendas para o Agro 4.0 nos últimos 10 anos e os novos riscos no horizonte
No último dez anos a
agropecuária brasileira dobrou sua importância em nossas exportações, o que
somado ao forte incremento tecnológico tornou-se uma oportunidade para que ela
assuma a dianteira das atuais transformações produtivas rumo ao novo momento
das cadeias de valor (Buainain e Fraga Souza, 2019). Ter a agroindústria ou a
bioeconomia como caminho para Indústria 4.0 – ou, como preferem outros e eu
concordo, Economia 4.0 (Buainain, 2018; Buainain e Fraga Souza, 2019) –
obviamente traz uma série de desafios, tanto relativos aos novos riscos
tecnológicos e ambientais quando nos impactos destes novos riscos sobre a
governança dos agentes envolvidos. Aliás, o risco agrícola pode ser uma boa
chave para se enumerar novos desafios para o meio, que podem trazer problemas e
oportunidades, dado que em suma as tecnologias “4.0” são voltadas à minimização
dos riscos por excelência.
A difusão e aprendizagem de
mecanismos para medir o risco agropecuário como ponto de partida para repensar
como isto se dará daqui para a frente começa por ter em mão alguns elementos
fundamentais. O riso em si consiste no cálculo da probabilidade de um evento
acontecer, é uma medida de dispersão, diferente da incerteza, que é subjetiva
(Buainain e Silveira, 2017). O risco, muito além de um perigo, pode ser a
oportunidade para que uma nova trajetória tecnológica se estabeleça, e o
contrário também é verdadeiro, gerando uma cadeia de inovações e novas situações,
no que Schumpeter definiu como destruição criadora (Schumpeter, 1942).
Existem alguns critérios
diferentes para se classificar os riscos agrícolas, como a origem e a sua
natureza (aonde ele atinge). Dentre as apresentadas por Buainain e Silveira
(2017), duas parecem especialmente úteis para o propósito deste texto: a
partir dos agentes envolvidos e dos apresentados ao longo de cadeias de
suprimentos. Como literalmente está posto, o primeiro trata especificamente
de como um risco incide sobre um agente ou conjunto de agentes específico, e
sua compreensão é fundamental para qualquer participante. Já a segunda
classificação é fundamental sobretudo para quem opera como “flagship company”,
empresas que operam exatamente na conexão entre os pontos da cadeia de valor (e
que controlam a mesma), e se entendermos o “4.0” como uma nova versão do
sistema econômico (por isso, “Economia 4.0”), os riscos nas cadeias de
suprimentos podem dar um ponto de vista privilegiado sobre as atuais
transformações (até porque são consequências dos riscos para atores e conjuntos
de atores particulares). Seguem as tabelas com as respectivas classificações de
risco.
TIPOS
DE RISCOS PRESENTAS NAS ATIVIDADE AGROPECUÁRIA A PARTIR DOS AGENTES ENVOLVIDOS
(Buainain e Silveira, 2017)
Ou seja, mostra
que dentre os riscos de preço, produção (elementos naturais e humanos),
financiamento e normas reguladoras existem consequências que podem incidir
sobre produtores individuais, comunidade (setor ou APL) e sobre toda a economia
nacional. No caso do estudo da governança do risco, seria importante um
aprofundamento no que se refere aos riscos institucionais, pois neles há
regulação das estratégias individuais sobre os conflitos de competição entre os
agentes, que envolve elementos de todos os outros; esta seria uma primeira
agenda de investigação.
PRINCIPAIS CATEGORIAS DE RISCOS ENFRENTADOS PELAS CADEIAS DE SUPRIMENTO
(Buainain e Silveira,
2017)
Com exceção dos dois primeiros, todos os demais são
provocados pela má governança das ações dos agentes envolvidos direta ou
indiretamente. Mesmo os dois primeiros devem estar na agenda do monitoramento
“4.0”, logo, seu monitoramento também engloba agentes humanos. Deste modo,
tem-se na primeira classificação os agentes, e na segunda os tipos de risco
mais detalhadamente. Na combinação entre estas duas tem-se tanto como os riscos
atingem cada agente quanto como atingem as cadeias, através da conectividade permitindo
rastreamento, monitoramento, processamento de informação e mecanismos para
tomada de decisão (via AI) tanto dos sistemas individuais de produção como
conectando estes produtores ao mercado mundial. A regulação
das cadeias ao longo de seus participantes, acerca de todos os tipos de risco
que incidem sobre elas, seria uma segunda agenda de pesquisa.
Aliás, se considerarmos que as condições naturais
condicionam todas as outras no âmbito da bioeconomia, um elemento importante
ainda não citado é a variação dos riscos segundo os biomas. A consciência de
que existem peculiaridades a serem medidas de acordo com o local é a mais
antiga na agropecuária, que definiu a possibilidade ou não de sedentarização.
Atualmente, os cuidados assumem nova roupagem, a partir de demandas globais,
como Agricultura de Baixo Carbono, ou diretamente associados à manutenção das
condições naturais através de técnicas estabilizadoras do meio ambiente que
garantam a continuidade dos serviços ambientais (Buainain et al, 2020). Dada a
abrangência de escala global da conexão dos sistemas de rastreamento, monitoramento,
processamento de informação e tomada de decisão do Agro 4.0, a mitigação do
risco característica da agropecuária de precisão ou digital acentua estes
processos como elementos para o ganho de competitividade. Por isso, o monitoramento dos biomas e os agentes que promovem este
monitoramento dos serviços ecossistêmicos e riscos seriam uma terceira
agenda sobre a governança dos agentes no Agro 4.0.
Além destes 3 elementos que reordenarão os agentes
que precisam estar assimilados pelos sistemas de governança necessários para a
boa implementação de políticas públicas (e a Indústria 4.0 é uma política
pública em TODOS os países em que acontece), a própria geração e
desenvolvimento das tecnologias traz novos agentes para tomarem parte nesta
governança. As TIC’s fazem parte das atividades rurais a muito tempo, mas agora
foram trazidos para o centro do palco, definitivamente. A IoT é o elemento
integrador deste processo (Masshurá e Leite, 2017), para que a Inteligência
Artificial possa aplicar comandos de mitigação do risco que operem em cadeia
(na cadeia e em cadeia). Ou seja, em todas as áreas da cadeia de valor e a
própria cadeia de valor depende da governança do sistema
nacional de pesquisa (com universidade, centros e órgãos de fomento) e de
como este sistema entra na governança que coordenará todo o sistema Agro 4.0,
aí a importância da compreensão do projeto que cria os Centros de Pesquisas
Aplicada em Inteligência Artificial; esta seria uma quarta agenda de pesquisa
importante na governança desta nova realidade agropecuária.
Não se trata de pretender aqui sugerir uma agenda de
pesquisas prioritárias nas ciências sociais aplicadas para o Agro 4.0, dado que
mesmo dentro das ciências sociais tradicionais os impactos nem de longe se
resumem à questão da governança. Aliás, nem mesmo no Ciclo de Políticas
Públicas a governança sempre é central na implementação de projetos
governamentais. Expus aqui apenas 4 temas que me chamaram atenção para serem
trabalhados dentro da Institutional Analysis and Development de Elinor Ostrom,
entendendo estas novas soluções como recursos de uso comum e estes riscos como
de impacto comum: mais os riscos que os recursos são comuns, diga-se a verdade,
por isso a prioridade de expandir a internet no campo, por exemplo. Na
sequência, trago uma série de soluções tecnológicas “4.0” no setor privado que
se destacam no agro brasileiro, para depois falar um pouco sobre o Projeto Agro
4.0 do MCTI e o da ABDI, finalizando com alguns apontamentos preliminares.
3. Iniciativas recentes
em rastreamento, monitoramento e inteligência artificial
Existem uma
série de tecnologias emergentes que cumprem as funções da chamada Agro 4.0,
como rastreamento, monitoramento, processamento, conectividade (IoT) e suporte
para tomada de decisão (IA). Empresas fortíssimas no setor intensificam suas
parcerias e aquisições de strartups (AgrTechs) possuidoras de patentes saídas
do “berçário” na Esalq, Unicamp, Unesp, Usfscar, UFMG, UFV, USP Ribeirão e
Pirassuninga, dentre outras. A expressão “Environmental,
social and corporate governance (ESG)” não sai das agendas da agroindústria nem
dos parâmetros avaliados para a implementação de políticas voltadas para o fortalecimento
das atividades no campo, dos grandes conglomerados até os agricultores
familiares atingidos por esta cadeia de valor, que como já foi dito, talvez
seja a única onde o Brasil está na fronteira tecnológica no uso na produção (em
pesquisa, estamos na fronteira em algumas áreas).
Em relação ao rastreamento, há muitas iniciativas
usando blockchain para mapear o caminho dos produtos ao longo da cadeia, até o
consumidor. Temos como exemplo a SafeTrace, especializada em acompanhar o
percurso de produtos da pecuária, proporcionando tanto aprimoramento logístico
como segurança sobre a qualidade dos produtos, hoje exigida por uma boa parte
das agências reguladoras nacionais e mesmo por parte dos consumidores. As
consequências de qualquer fator novo em qualquer ponto da cadeia podem ser
identificadas, mitigadas se forem danosas, otimizadas se forem benéficas,
abrindo mais e mais oportunidades de intervenção e negócios. Tais alternativas
trazem a governança da produção cada vez mais para dentro dos centros de
pesquisas em TIC’s.
Uma outra forma fundamental de controle é o
monitoramento proporcionado por imagens de satélite, como o feito pela Strider,
a partir do mapeamento por satélites de monitoramento de pragas, vegetação,
água, e também monitoramento gerencial. Recentemente ela foi adquirida pela
Syngenta, que está em implementação de um programa 4.0, que não é o único. Este
tipo de controle proporciona a otimização do uso de recursos, como a diminuição
do uso de defensivos de uma forma precisa afetando o mínimo possível as
reservas. Algumas empresas vems e especializando nesta relação entre
agroquímicos e sustentabilidade, como a Perfect Flight, e com parcerias
promissoras com sistemas de rastreamento.
Auditorias e certificadoras como a Control Union
estão se especializando em consolidar os dados levantados por estes sistemas de
rastreamento e monitoramento para emitir diagnósticos, tanto voltados à
produtividade como à sustentabilidade ambiental, sobretudo relacionada à
emissão de carbono. Esta etapa do processamento de dados é o ponto onde as
informações levantadas são usadas para direcionar a tomada de decisão. Porém
para que sejam consolidadas, dependem da transmissão dos dados, da conectividade,
algo tem sido o grande gargalo para o avanço da Economia 4.0 no Brasil,
inclusive, pelas dificuldades na decisão quanto ao padrão de 5G a ser adotado
nacionalmente.
A conectividade atinge em cheio tanto as demandas por
tecnologia de ponta por parte do grande agronegócio quanto o agricultor
familiar, tendo impactos especialmente sobre toda a atualização (ou mesmo,
ganho de liderança) do Agro 4.0. Não é atoa que é a principal pauta dos
projetos governamentais no setor, sendo o avanço de pesquisas em Internet das
Coisas a grande pauta estratégica atualmente, junto com a expansão da internet
no campo. Por isso a importância destes centros em universidades de ponta
anunciados no começo deste mês de maio.
O aprimoramento dos instrumentos de suporte à tomada
de decisão via Inteligência Artifical são a “cereja do bolo” porque juntam
todas as demais tecnologias para guiar a ação estratégica, isso quando não os
comandos não são formulados automaticamente e passados machine-to-machine,
simulando tomadas de decisão (não digo tomada de decisão porque os algoritmos
já são decisões, tomadas pelos programadores e seus respectivos consultores das
áreas específicas). A IA é a alma do “4.0”, mas depende de todas as outras
tecnologias para ser alimentada de informações e ter capacidade de transmissão
das decisões, ampliando ao máximo a reação em cadeia.
Estes são apenas alguns exemplos com os quais tive
contato para pensar a implementação de tecnologias agro 4.0. Estas e várias
outras inovações em rastreamento, monitoramento, processamento, conectividade e
opções para tomada de decisão são os elementos sobre os quais as políticas de
“4.0” são voltadas, promovendo harmonia de funcionamento entre competitividade
e sustentabilidade. Seguem duas políticas Agro 4.0 no Brasil às quais tive
acesso, com algumas considerações sobre elas, para finalmente trazer algumas
palavras sobre a governança entre os agentes desta cadeia de valor.
4. A Governança no Agro
4.0 do MCTI e na ABDI
Como foi posto no início do artigo, existe um
programa nacional geral voltado para IoT que orienta a implementação das
tecnologias da Indústria 4.0, que foi subdividido em câmaras setoriais, entre
elas a Câmara Agro 4.0, que divulgou o documento orientador de seus trabalhos a
pouco mais de um mês. Também já foi dito que o programa nacional de IoT
anunciou o investimento para a criação de centros voltados à esta tecnologia,
um, inclusive, voltado ao Agro 4.0. A Câmara Agro 4.0 também está envolvida em
um projeto de fomento da ABDI sobre o tema, e nesta sessão serão expostas como
há diferenças conceituais entre o framework usado pela “Câmara” e no projeto da
ABDI, e porque o da ADBI satisfaz melhor como orientação para a análise da
governança da implementação deste projeto de mudança tecnológica, algo
fundamental para satisfação dos interesses dos envolvidos e para promover uma
interação entre os agentes capaz de alimentar o processo de aprendizagem.
A Câmara Agro 4.0 envolve agentes econômicos em suas
entidades de classe, como a CNA, órgãos públicos, como a Embrapa (mas não há no
documento de um mês atrás menção direta de universidades públicas, principais
polos de geração e difusão de inovação tecnológica, o que em si é uma
fragilidade), órgãos da administração direta federal, e empresas fornecedoras
de tecnologias específicas (ao invés de apenas representantes de classe, que
representariam democraticamente todas as empresas do setor). Talvez este
upgrade com os centros de IoT traga as principais instituições de ensino e
pesquisa e democratize o acesso ao processo de todas as empresas de um
determinado setor, evitando privilégios.
O
framework é composto por 4 eixos: i) desenvolvimento, tecnologia e inovação,
que trata nas tecnologias para as 5 processos vistos aqui como característicos
da revolução digital “4.0”; ii) desenvolvimento profissional, que trata
precisamente da qualificação de todos que trabalharão no processo; iii) cadeias
produtivas e desenvolvimento de fornecedores, este sim voltado diretamente para
como as tecnologias impactam da relação entre os agentes da cadeia, sendo o
ponto integrador do sistema que envolve a implementação desta política pública
e; iv) conectividade no campo, que é uma pré-condição para que todo o resto
aconteça, inclusive a relação entre os agentes, entre os agentes e as máquinas
e entre as máquinas. É um frame que aponta para uma agenda de trabalho que
respeita as condições nacionais, inclusive dedicando um grupo específico para
uma tecnologia que é a mais falha no Brasil, a conectividade ao longo do
território, e com uma preocupação específica também para a qualificação dos
operadores das tecnologias, com um provável incremento na extensão rural (MCTI
e MAPA, 2021).
Outro
padrão conceitual para organizar este processo é o usado pela ABDI, no seu
edital para o fomento de iniciativas de AgrTechs lançado em 2020. Ele está
focado em projetos específicos sobre o funcionamento da produção e da cadeia,
sem preocupação com geração da tecnologia ou formação de capital humano. Quatro
categorias foram contempladas pelo edital (ABDI, 2020): um focado em atividades “da porteira para
dentro”, “produção e colheita”, ou seja, sem relação direta com a
interação/integração da cadeia, e 3 relacionados aos elementos que circundam a
atividade do produtor rural, “insumos”, “indústria de transformação” e
diretamente a “integração de segmentos”, esta
notoriamente relacionada à relação entre agentes que exige uma governança
acurada. Trata-se de um olhar sobre a produção sem seu aspecto competitivo
mesmo, sem preocupação específica com formação e qualificação. Para o objeto de
análise que se propõe na agenda de pesquisa que aqui se apresenta, porém, um
aprofundamento para este frame pode ser mais frutífero, sem desconsiderar o que
for desenvolvido no grupo de trabalho “cadeias
produtivas e desenvolvimento de fornecedores” da Câmara Agro 4.0.
Em
suma, existem não só referência nas políticas públicas para se aprimorar
constantemente um trabalho organizado na implementação do Agro 4,0, como há
estudos acadêmicos em tecnologias e em economia para que aponte caminhos
consistentes para esta nova trajetória tecnológica que está se consolidando.
5. Desafios para a
governança
Apresentou-se
aqui um apanhado de elementos iniciais a partir dos quais pretende-se
desenvolver uma agenda de trabalho sobre o que acontece no grupo de trabalho
“cadeias produtivas e desenvolvimento de fornecedores” da Câmara Agro 4.0 e à
categoria “integração de segmentos” no edital Agro 4.0 da ADBI (onde parece
mais nítida a conexão com os outros elementos do framework), especificamente de
como as questões levantadas (ou que poderiam ser levantadas) em torno das 4
pautas do risco agrícola aqui pontuadas atingem e são atingidas pela ação dos
agentes no sistema de interação/cooperação – ou, situação de ação (Ostrom,
2011) – e suas consequências contingentes sobre os arranjos institucionais de
governança. Temos novos dilemas de escolha racional, cada vez mais pautados
pela interação entre aos agentes e menos regras racionais estáticas posto que
se tratam de fenômenos emergentes (Silveira, 2019), por isso o foco nos pontos
onde os agentes se conectam, nas cadeias de valor, e como o objetivo da
produção “4.0” é o aprimorar os diferentes controles, recorre-se à como os
riscos incidem sobre o processo de governança.
É
necessário recorrer-se à uma forma de microeconomia também emergente que parta
dos agentes e como suas ações geram padrões novos – institucionais,
comportamentais e tecnológicos -, dando eco para uma revolução que a Nova
Economia Institucional e a Economia Evolucionária promoveram nas ciências
econômicas na segunda metade do século XX, sobretudo em seu último quarto
(Bowles, 2004). Retomando as pautas a serem trabalhadas sobre como o uso das
tecnologias “4.0”, cuja governança pode ser refletida nos posicionamentos dos
agentes tanto no grupo do Agro 4.0 quanto nos projetos da ABDI, os riscos
considerados fundamentais a serem pensados nestes espaços seriam os seguintes:
- Riscos institucionais sobre os agentes individuais, pois neles há regulação das estratégias individuais sobre os conflitos de competição entre os agentes, que envolve elementos de todos os outros
- Regulação das cadeias ao longo de seus participantes, acerca de todos os tipos de risco que incidem sobre elas
- Monitoramento dos biomas e os agentes que promovem este monitoramento dos serviços ecossistêmicos e riscos
- Governança do sistema nacional de pesquisa (com universidade, centros e órgãos de fomento)
Cada um destes aspectos analisados nos grupos apontados (GT da Câmara 4.0 e grupo de projetos selecionados no edital da ABDI) será avaliado segundo o critérios de governança daS SMOI (Sustaintability Mission-oriented Insstitutions) para projetos de políticas públicas de mudança de trajetória tecnológica nas cadeias de valor. São pontos fundamentais para a avaliação dos dilemas sociais (conflitos, jogos racionais) provocados pela interação econômica e política dos agentes (competição e cooperação).
Tópico de Governança |
Descrição |
Strategy |
“como as inovações se
justificam como estratégia econômica” |
Object |
“balanço entre custos e
resultados da mudança” |
Form |
“análise dos mecanismos para
os agentes atuarem em conjunto” |
Method |
“incentivos e restrições para
motivas a adoção das inovações” |
Logic |
“sentido dado à mudança
segundo os valores e expectativas dos agentes dentro do contexto social” |
Marcos
Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto
de Economia/Unicamp, vinculado ao NEA +/IE-Unicamp e do SP in Natura
Lab/FCA-Unicamp, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com
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