Resiliência em síntese: um convite à reinvenção e à atitude. Lições de Campestre

 


            Campestre é um dos municípios que faz limite com mais vizinhos entre os estudados, o que a põe numa posição fundamental quando se pensa na recuperação econômica em âmbito regional. Desmembrada de Caldas em 1911, é uma tradicional produtora de café, com uma série de atividades relacionadas ao setor que o tornam uma marca local (27,32 % de seu PIB é agropecuário). Os arredores da cidade de 21 mil habitantes não só produzem riquezas vindas da terra, mas também a paisagem maravilhosa de todo este canto de Minas. Depois do desmembramento do distrito de Bandeira (atual Bandeira do Sul), sua população concentra-se em um centro urbano, onde tem um setor industrial com enorme potencial para crescer devido à localização geográfica (atualmente em torno de 5 % da economia), e um setor de comércio e serviços compreendendo 42 % de toda a riqueza que é gerada (25,5 % vem do setor público). Porém, o grande segredo de Campestre não é este ou aquele setor, mas sua capacidade de sintetizar, articular as diferentes áreas de sua economia com uma atitude e uma conexão com a sua sociedade sem limites, através da Associação Industrial, Comercial e Agropecuária de Campestre (AICAC)

Acompanhando cada momento da pandemia no Facebook da AICAC fica mais claro que água a intensa sintonia que esta entidade buscou estabelecer com todas as dimensões do problema, com todos os envolvidos. Ela entendeu como poucos que se envolver como protagonista em problemas de sua sociedade e trazer seus associados em projetos como arrecadação de alimentos e agasalhos ou patrocinar lives de artistas para arrecadar fundos para instituições de caridade fortalece marcas, aproxima as pessoas e fideliza uma sociedade da qual ela também faz parte. Quando coloca por uma semana inteira fotos de vários comerciantes e comerciários dizendo que usam máscaras, todos pessoas populares e os mais prejudicados pela pandemia, é como se estivesse olhando direto nos olhos das pessoas e dizendo “nós estamos com vocês contra a morte, usem máscara como a gente”. Não se pode negar que esta associação se colocou para ser um “pára-raio” para as atenções da cidade inteira.

Adiantando-se à igualmente rápida atitude da prefeitura em emitir decreto de suspensão de alvará de funcionamento para atividades não essenciais, uma semana antes a AICAC já fazia uma campanha forte de conscientização, informação e preparação para o que estava por vir, anunciando de pronto sua concordância em fechar as portas contra a Covid 19. Houve um intenso diálogo com o poder público, o que resultou num programa de reabertura gradual ao longo do mês de maio, inclusive, com uma iniciativa do poder legislativo garantindo alguma ajuda da prefeitura, como pagamento parcial dos aluguéis de pontos comerciais. Com uma nova onda da doença que avançou no início de julho, tudo leva a crer que não houve tanto diálogo assim para um novo fechamento, o que culminou numa nota pública da associação de que ela não fazia mais parte do comitê local do combate à doença alegando falta de representatividade. Imediatamente fez outra nota divulgando o que ela solicitava e não era atendida, demonstrando que suas reivindicações sempre estavam também em conexão com a manutenção do emprego e à uma sustentabilidade mínima da economia e da geração de renda para os cidadãos. O resultado desta atitude foi que suas demandas foram atendidas em decreto de 31/7, retomando-se assim o diálogo.

Além das atitudes muito firmes tanto em cooperação como marcando enfaticamente posicionamentos, houve também uma preocupação razoável na preparação da sociedade para a reinvenção necessária. Estimulou-se a participação em várias lives de orientação para este novo normal, previsto no horizonte da Revolução 4.0 mas que vinha em passos de tartaruga e chegou num voo de águia. Constantemente orientações sobre novas formas seguras para voltar a fazer as coisas de antes, retomando os negócios na medida do possível. Parcerias, como a feita com o Clube dos Empresários de Poços de Caldas, grupo empresários que se articularam de modo autônomo e hoje alguns de seus membros comandam o Plano de Retomada Econômica da principal cidade da região, além de depoimentos de lideranças empresariais importantes de Campestre vieram para mostrar que as crises passam, como membros da atual gestão da associação e o ex-presidente Geraldo Magela: mude, que com perseverança é possível superar juntos.

Através da AICAC, pode-se dizer que o empresariado encarou a crise de frente e com atitudes fortes, cumprindo seu papel de sintetizar todos os setores e possibilidades disponíveis, com uma energia que exigiu muita resiliência, chamando a sociedade inteira o tempo para se reerguer junto. O tempo todo reafirmou em notas e declarações da função da AICAC seu papel não só de diretamente viabilizar a maior lucratividade para seu associado, mas de induzir o desenvolvimento e o bem estar, que acaba trazendo um retorno para o empresário. Há muito mais para se dizer sobre a postura exemplar desta associação em chamar para si um papel inovador para as entidades representativas dos agentes econômicos, mas acredito ter sido possível descrever o eixo central de sua participação e de sua atitude ao longo desta crise que não acabou, um exemplo muito inspirador para todos.

Introdução ao projeto publicada em 15/9/2020

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/09/projeto-rede-de-desenvolvimento-regiao_15.html

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com

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