Equilíbrio e audácia com todos os cheiros de Minas: lições de Andradas

 

Sem dúvida alguma Andradas representa totalmente o encanto da “Toscana Brasileira, com suas paisagens serranas na parar o tempo, que traz junto o cheiro do vinho e do queijo, tudo tão mineiro aqui da divisa com São Paulo. Difícil alguém da região que não traga histórias de noites em seus clubes e festas, ou de dias gastronômicos ou contemplativos no Pico do Gavião, tudo sempre leve, intimista como o gosto de um bom café. Um lugar perfeito para um paulista começar a pensar Minas Gerais em meio à crise, até porque vai bem além de coisas bonitas e gostosas e inspira muito planejamento neste momento difícil, do equilíbrio e bom senso à versatilidade e audácia de seus agentes econômicos.

                Originária de dentro do antigo território de Caldas e povoada seguindo principalmente as ondas migratórias para São João da Boa Vista, este município é um dos maiores exemplos da integração entre os estados de Minas Gerais e São Paulo, mantendo redes institucionais com ambos. Hoje tem pouco mais de 40 mil habitantes, e entre os 11 municípios mineiros estudados aqui, é o terceiro que menos depende dos gastos públicos em sua economia (20,63), o que demonstra a força de seu setor privado. Sua indústria é representativa, somando em torno de 17 % do PIB, e a agropecuária conta com quase 10 %, o que merece um destaque porque boa parte do que é produzido lá em suas principais atividades rurais (laticínios, uva e café) passam pro processos industriais lá mesmo, fechando a cadeia produtiva e agregando valor, trazendo mais divisas e gerando um sistema econômico integrado e que penetra em vários setores de sua sociedade. Esta integração e presença em vários setores da economia é o que faz com que estes três setores estejam ativamente presentes nas ações da Associação Comercial, Industrial e Rural de Andradas, a ACIRA.

                É de se esperar que este alto teor de integração das várias atividades econômicas – o município produz na roça, beneficia e vende vinhos, queijos e cafés, atraindo turistas com isso – naturalmente gere uma consciência da dinâmica econômica e das consequências sociais de qualquer instabilidade, de modo a mobilizar de modo diferenciado as pessoas para defenderem o bem estar, antes de tudo. Este senso de responsabilidade foi marcante em relação à pandemia. Antes mesmo de decretos municipais e estaduais, a própria ACIRA vinha a público falar sobre os cuidados fundamentais e até mesmo incentivar as pessoas a ficarem em casa; aliás, teve até comerciante que fechou antes de qualquer decreto. Apesar de ser uma das últimas cidades do Sul de Minas a ter um caso confirmado de Covid 19, não esteve entre as primeiras a iniciar a flexibilização. Mesmo assim, ao invés de forçar a abertura através de cartas abertas e até mesmo ações judiciais contra o poder público, estabeleceu-se lá um amplo e exemplar diálogo com o poder público, em que as demandas priorizadas foram mais em desonerar os empresários do que negar os riscos da doença.

                Em meio à quarentena foi notória a preocupação em estimular novas formas de negócios de um futuro que chegou sem avisar, como plataformas digitais de vendas e promoção de entregas em casa, como o "Festival de Delivery Sabores na Mesa", estimulando sempre o consumo na cidade. A preocupação com empregos e questões sociais como a Santa Casa nunca saíram do leque de preocupações, proporcionando assim uma força social tão necessária para a retomada econômica. Esta retomada aparece em olhos vistos desde o mês de agosto, com estimula à criatividade para inovações nos negócios, cujo principal projeto é o “Desafio Empreendedor Andradas”, projeto de 7 meses que busca uma revolução econômica não apenas por estímulo à vendas, mas pela transformações vindas com inovações de dentro das empresas. Como o número de participantes é limitado, o grande desafio é incentivar os que estão dentro do projeto para os que estão fora, modernizando assim a economia como um todo: uma alternativa é estimular os participantes a disseminar o que aprenderam para toda a cadeia produtiva da qual fazem parte, pois eles também dependem da modernização dos outros, e isso não pode esperar.

                Pode-se dizer que esta mistura de equilíbrio e audácia resulta em uma resiliência que tem tudo para ser eficiente. Estas qualidades serão importantes, porque não podemos negar os impactos econômicos da pandemia, que se somados ao granizo que deve ter afetado bastante a produção e uvas, apresenta um cenário de desafio a mais para Andradas. As iniciativas da ACIRA, tanto para resguardo da população quanto para proteger os associados e gerar possibilidades de reinvenção promissoras para seu ambiente empresarial, são estimulantes e inspiradoras para todas as suas vizinhas. Se lembramos que somos uma região e o sucesso de uma é o sucesso de todas, começar por Andradas foi um prelúdio surpreendente para este projeto.

Introdução ao projeto publicada em 15/9/2020

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/09/projeto-rede-de-desenvolvimento-regiao_15.html

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com

Comentários

  1. Realmente Andradas é uma cidade muito próspera, com pequenas propriedades e empresas produtivas que geram empregos e permite uma ótima distribuição de rendas. Parabéns pelo seu artigo.

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