Em rede para não cair na crise. Lições de Botelhos

 

Fonte: Onda Botelhos

                 Com uma população estimada em torno de 15 mil habitantes, divididos em mais dois distritos (São Gonçalo de Botelhos e Palmeiral), é uma das mais lidas paisagens na divisa com o Estado de São Paulo. Banhada pela represa de Caconde, atrai veranistas e tem potencial para ainda mais, a cidade surgiu fincada no cruzamento entre Cabo Verde, Caldas e Campestre, impulsionada pela tradição cafeeira que perdura até hoje, já desde o início impulsionada por ser uma conexão regional. Esta consciência da importância de estar em rede vem de sua história, e hoje com certeza pavimenta o caminho para a adaptação à uma nova realidade, na qual o município mergulha se negando a fazer parte da crise.

                Como já foi dito, a importância das atividades agropecuárias é marcante no município, principalmente do café, uma tradição indiscutível; quase 1/4 da economia local vem do campo (24,54 %), o que explica sua população estar espalhada em distritos. Já o setor de serviços representa 41,59 % do PIB, e gira muito em torno de necessidades básicas e produtos e serviços relacionados ao mundo rural. No caso da indústria, pouco mais de 7 % das riquezas produzidas lá são ligadas à ela, o que diz muita coisa em relação à empregabilidade e à própria dinâmica da cidade. Por estar próxima à alguns centros importantes como Poços de Caldas e Guaxupé, além de fazer divisa com polos de força também considerável e contar com a presença constante de moradores de outras cidades, planejar Botelhos torna-se um desfio ao complexo que pode ser muito compensador, e ela estruturou-se institucionalmente para isso.

                Seu empresariado organizou-se recentemente na Associação Comercial e Empresarial de Botelhos, que surgiu imersa exatamente neste princípio de que os agentes econômicos precisam operar em rede para reivindicar avanços para o mercado e para a sociedade em geral. Formada em 2018 como reação à crise econômica já presente e agora acentuada pela pandemia, a ACE Botelhos já surgiu disposta a operar em rede, com o seguinte princípio: não vamos participar da crise. Ela se conectou rápido ao Projeto “Levante Sul de Minas”, rede de cooperação entre associações comerciais de outros 11 municípios que teve importância fundamental na orientação para os empresários durante a pandemia (dentre as estudadas na rede de Poços, é a única que faz parte), mas também promove ações das associações comerciais vizinhas, focando sempre empoderar os negócios locais. Também se articula com muita efetividade com outros setores, como a agricultura e questões relacionadas ao meio ambiente, através da “Rede do Campo”.

                Deste modo, soube lidar com a crise de modo equilibrado e resiliente, e o poder público local também apostou em uma atitude modulada e dialogando bastante, com muita presença nos meios digitais (dialogando mesmo com a população). Se no início houve sim um fechamento das atividades não essenciais, com o tempo essa restrição foi sendo flexibilizada de modo monitorado, do mesmo modo que houveram restrições à entrada de veículos na cidade, e permitiu-se a chegada de trabalhadores rurais temporários inclusive com o monitoramento médico da prefeitura. Os fechamentos foram modificados de acordo com cada caso, sendo diferente inclusive de acordo com cada distrito. O resultado foi que apenas no início de abril registrou-se o primeiro caso, e só dois meses depois o primeiro óbito (até hoje foram apenas duas mortes).

                Pode-se dizer que três fatores precisam ser destacados sobre alternativas de retomada para Botelhos: o protagonismo agrícola, uma nova postura na região e um novo turismo. A predominância das atividades agrícolas certamente será um impulso para a recuperação econômica na medida em que este foi um dos setores menos prejudicados, e como o café é um mercado globalizado, o fato dos maiores importadores estarem em um estágio avançado da retomada pode ser uma plataforma; aliás, mergulhar no mercado global cafeeiro pode ser mais um elemento modernizador de sua economia. Quanto à atitude do consumidor local em termos regionais, é notório que os setores comerciais de municípios deste porte se fortaleceram com a pandemia, pois seus habitantes deixaram de comprar nas cidades vizinhas e passaram a prestigiar o local. Já em relação ao turismo, existe uma tendência ao turismo rodoviário, e quem estiver mais preparado para atrair os turistas das regiões mais próximas (Sul de Minas, Ribeirão Preto, Campinas e até São Paulo) vai assumir um posicionamento muito privilegiado no ramo.

                Se posicionamento, sua forma de se relacionar com vizinhos e parceiros, uma capacidade incomum de fazer conexões em rede e seus potenciais próprios abrem uma série de alternativas de reinvenção. Provavelmente é o único município deste porte que conta com uma Agência de Desenvolvimento, e com isso pode aliar capacidade de planejamento com as parcerias que já tem para em rede não mergulhar na crise que já vinha de antes do coronavirus. É realmente um lugar surpreendente, e pode servir de inspiração para muitos de seus vizinhos desta rede de Poços de Caldas.

Introdução ao projeto publicada em 15/9/2020

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/09/projeto-rede-de-desenvolvimento-regiao_15.html

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com


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