Orgulho e valorização local. Lições de São Sebastião da Grama

Foto: Davi Urbano

                É praticamente impossível não associar São Sebastião da Grama ao café, pois existem lá grandes produtores em nível nacional e até mundial, inclusive com propriedades da Família Marinho (Rede Globo). Trata-se de uma potência no setor, tanto em quantidade quanto em qualidade, pois já ganhou diversos prêmios nacionais. Apesar da supremacia da atividade agropecuária, de laticínio a criação de cavalos, há também indústrias de destaque, como para equipamentos cirúrgicos, e já chegou a fornecer freios para o metrô de São Paulo. É realmente uma cidade aconchegante: me lembro de suas exposições de mangalarga, encontro de jipeiros e festa do peão até seu tradicional torresmo, famoso em toda a região. É importante entender o quanto seus cidadãos gostam de lá e os motivos do orgulho que eles têm porque isto explica a mobilização quase automática no sentido de prestigiar o comércio local, que foi incorporado pela atitude da Associação Comercial e Industria de São Sebastião da Grama (ACIGRA).

                De fato, 25,18% da economia de Grama gira em torno da agropecuária, o que não poderia deixar de ser dado o poder das atividades rurais na cidade. Com isso, mesmo com algumas iniciativas importantes como a já citada produção de equipamentos médicos e do tradicional laticínio, desde 2007 a importância da indústria no PIB local gira em torno dos 10 % (em 2017 era de 12%). Com um PIB acima da média da região se comparado ao tamanho da população, o setor de comércio e serviços marca o surpreendente percentual de 62.8%, um número considerável dada a proximidade de concorrentes bem maiores como São José do Rio Pardo, Vargem Grande do Sul e Poços de Caldas, mostrando assim a força e a identidade dos gramenses com a cidade. Esta atividade foi a que mais teve que se adaptar à mudanças com a chegada da pandemia, o que foi tratado com muito comprometimento por parte de todos.

                Como em todas da região, lá houve um decreto determinando o fechamento das atividades urbanas não essenciais no dia 21 de março, o que exigiu a busca de alternativas para que os comerciantes não quebrassem. A orientação quanto aos cuidados necessários para que a Covid 19 não se alastrasse na cidade começou antes deste decreto, e esta atenção na higiene permitiu um certo nível de flexibilização, permitindo um funcionamento parcial das lojas, principalmente através de vendas por meios digitais (Facebook e WhatsApp) e delivery. O diálogo com o poder público foi constante, principalmente porque a ACIGRA funciona dentro da prefeitura. A parceria com o Sebrae ajudou na busca de estratégias para contornar as restrições, surgindo desde o começo o movimento “Moro em Grama, compro em grama” e a aposta em promoções que estimulasse as compras no local, o “Show de prêmios”.

                Pode-se dizer que realmente conseguiram êxito, e puderam aproveitar esta triste janela de oportunidade. Isso porque com as maiores restrições na região, sua população realmente se desestimulou em sair para consumir. Além disso, a força que os serviços de delivery ganharam devido a postura da própria população fez com que os estabelecimentos comerciais de municípios pequenos ganhassem uma vantagem comparativa em relação aos maiores, que costumavam atrair os seus cidadão para compras maiores. Isso foi geral para cidades com menos de 20 mil habitantes, mas ganhou uma dimensão muito maior em Grama devido da integração de toda a sociedade neste objetivo de vencer a crise.

                Este sentimento de orgulho pela cidade, valorizando tudo que há de bom por lá, encanta quem vem de fora, e aproxima quem mora ali. Este sentimento local foi realmente muito bem trabalhado pelos empresários locais durante a crise, e a população deu margem a isso, demonstrando consciência da necessidade de união para vencer esta crise que aconteceu em meio à uma crise que já vinha de antes. É um momento de mobilização que deve ser aproveitado para um novo salto de desenvolvimento para São Sebastião da Grama, através da criação de organizações voltadas para o planejamento local e a valorização das que já existem, como associação comercial e sindicato rural. São instituições que, se articuladas, realmente podem impulsionar este município com uma enorme variedade de possibilidades.

Link para introdução ao projeto “Com a palavra, as associações comerciais”

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/06/crise-com-palavra-as-associacoes.html

 

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com

 

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