Esperança, mobilização e audácia. Lições de Tambaú

 

Tambaú traz uma tradição na indústria ceramista que remonta o século XIX, já tendo feito até parte de programas da FIESP voltados para o setor. Apesar de ser relativamente pequena, com pouco mais de 22 mil habitantes, sua população é destacadamente envolvida nos debates públicos sobre os mais variados temas, o que pode rapidamente ser visto nos grupos de discussão em redes sociais (que são muitos). Está próxima da Via Anhanguera, e faz parte da Região Metropolitana de Ribeirão Preto, o que contribui para conectar seus cidadãos ao mundo e gera uma gana de desenvolvimento incomum para municípios deste porte. Porém, existe uma força messiânica ali que ultrapassa a normalidade, um motivo especial que mobiliza não só quem é de lá, mas junto multidões que passam pelo local todos os finais de semana a mais de 50 anos em busca de uma graça do Padre Donizetti. Trata-se do ponto de partida do principal caminho de peregrinação do país, o “Caminho da fé”, além dos milhares que vão apenas para a cidade, e este fluxo de pessoas precisa ser parte do planejamento socioeconômico da região.

                Mesmo com a tradição industrial e um turismo natural, a atividade agropecuária tem importância substancial na economia tambauense, representando 14,34 % dos valores que circulam ali. Como já foi dito, a produção ceramista impulsiona a manufatura local, sendo que a indústria ocupa 19,52 % do PIB, número que foi maior a 10 anos atrás. Com isso, 66,14 % da economia gira em torno de comércio e serviços, de modo que isto aponta que o município foi consideravelmente afetado na crise provocada pelo coronavírus. Este número também aponta para o potencial que o setor pode ter caso consiga se organizar e conseguir agir em conjunto, o que parece acontecer com efetividade neste município.

                A capacidade de realização da Associação Comercial e Empresarial de Tambaú (ACET) é marcante, o que foi perceptível não apenas durante a pandemia, mas vinha de antes. A entidade é a responsável por várias iniciativas que não ficam apenas na necessidade imediata de seus associados, assumindo um papel protagonista em várias ações voltadas para o desenvolvimento da cidade. O mais recente projeto encampado pela ACET é o Tambaú 2050, diagnóstico extremamente completo sobre como a cidade é, quais os principais problemas a serem resolvidos e os principais potenciais do município. É o único município deste porte a promover um levantamento deste tamanho, que também organiza vários setores econômicos e sociais locais, preparando-os para desenvolver o que for apontado no estudo.

                Com esta capacidade de agregação e organização os empresários da cidade mostraram bastante articulação para lidar com as restrições causadas pela pandemia, dado que as atividades não essenciais ficaram de portas fechadas por 2 meses. Com isso, a associação destacou-se por utilizar de modo especialmente didático os meios disponíveis para a comunicação com os associados e com a população em geral. Foram várias as reuniões com representantes do poder público, e destaca-se a liderança que alguns vereadores assumiram na condução do processo, como na elaboração de estudos de viabilidade para flexibilização na quarentena. Todos os decretos foram cuidadosamente esclarecidos nas redes sociais, espaço que, como já foi dito, é destacadamente utilizado pelos cidadãos. Deste modo, a informação, o diálogo e o bom senso foram as marcas de como lidou-se com as restrições provocadas pela Covid 19.

                Considerando que esta crise definitivamente suspendeu o fluxo religioso na cidade, causando conseqüências para o turismo da região, esta pode ser uma boa oportunidade para se potencializar esta peregrinação também na esfera econômica. O setor de comércio e serviços de Tambaú demonstrou capacidade de planejamento para esta reinvenção, o que certamente vinculará ainda mais um arranjo regional com as vizinhas, que também possuem enorme potencial turístico. Existe um projeto em vias de emergir com o Tambaú 2050, de onde várias possibilidades surgirão e certamente serão levadas a diante, pois desde muito seu empresariado mostra arrojo e audácia para isso.

Link para introdução ao projeto “Com a palavra, as associações comerciais”

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/06/crise-com-palavra-as-associacoes.html

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com


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