Organização e amparo rumo a um novo normal. Lições de Mogi Guaçu



Fundada em 1958, a ACIMG (Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu) lidera o meio empresarial de um município que já marcou seu nome com um dos mais tradicionais centros industriais do interior paulista, com 5 distritos industriais bem estruturados e com atividades diversificadas, de cerâmica à metalúrgica, sendo um setor que representa 32,52% do PIB. O seu setor agrícola, apesar de representar apenas 4,14 % do PIB, também é muito forte, e produz desde tomate à pecuária de corte, tendo como principal expoente a citricultura. Os 63,25 % de comércio e serviços engloba uma enorme gama que vai do varejo à vida noturna e economia criativa, atraindo todos os municípios vizinhos, e tem como seu principal centro aglutinador a região da igreja matriz, além de contar com dois Shoppings Centers. Estas características exigem uma atuação complexa da diretoria da Associação Comercial e uma organização estável que consiga atender a diferentes tipos de associados. Isto se agravou neste período de crise do Coronavirus, dado que foi um dos municípios com maiores restrições e talvez aonde houve uma fiscalização mais radical dentre todos os tratados aqui.     

                O fato de ser um centro maior e estar próximo à Região Metropolitana de Campinas, o que é uma vantagem econômica em tempos normais, acabou provocando um índice maior de contaminados e um número mais expressivo de mortes (38 confirmadas e 8 suspeitas até esta quarta-feira, 22/7), e a Associação previu este quadro já antes dos decretos estadual e municipal, mostrando um grande preparo e equilíbrio desde o início. Desde dia 16 de março publica informativos sobre as medidas de prevenção contra a Covid 19. Aliás, no dia 19 os shoppings se adiantaram ao decreto municipal do dia 20 de março (sexta-feira) e ao estadual (21) que determinava o fechamento das atividades comerciais, sobreaviso também feito pela Associação, que a todo momento esteve atenta aos impactos psicológicos sobre seus associados e os funcionários das empresas desde o começo. Mesmo num primeiro momento oficiando a prefeitura no sentido de encontrar uma forma de continuar funcionando de modo restrito, esta ACI adotou o caminho de orientar seus associados sobre como dar continuidade aos negócios por meios digitais, delivery ou drive-thru, com várias formas de qualificação para os comerciantes, que iam desde dicas diárias sobre medidas de proteção até seleção de cursos on-line do Sebrae. Chegou a postar orientações para denúncias sobre quem não estivesse cumprindo as restrições impostas pelo poder público.

                De fato, adotou-se neste município a rigidez de restrições e fiscalização que foi comum em outras cidades médias e grandes do Estado, sobretudo as próximas de São Paulo e Campinas. Após um primeiro relaxamento do fechamento ao comércio tiveram que fechar novamente, e as multas realmente aconteceram, tanto que neste último final e semana dois supermercados foram autuados, um por permitir entrada de menor de 12 anos e outro por deixar entrarem mais de um membro por família, concentrando aglomeração. Chegou-se a tentar um relaxamento, mas logo em seguida foi necessário o chamado mini-lockdown, e hoje está sendo permitido funcionamento da rede hoteleira e do comércio com delivery pela manhã e loja aberta à tarde, e supermercados e afins não funcionam às segundas. Restaurantes só estão funcionando nos regimes de entrega e retirada de pedidos. Já as academias estão proibidas de funcionar, pois o município encontra-se na fase laranja do Plano São Paulo.

Levando em consideração o rigor que já sabia-se que seria tratada a questão a quarentena, pode-se dizer que a postura da ACIMG foi bastante acertada ao priorizar o amparo ao setor de comércio (associado e seus funcionários), acatando os decretos e cooperando com o cumprimento. Acelerou a adaptação à realidade da pandemia, que em alguma medida se arrastará até que se encontre uma vacina. Ofereceu-se consultoria jurídica, financeira, de marketing e atendimento psicológico para os atingidos pela crise, além de não cobrarem a mensalidade desde abril, compensando os valores que não foram gastos com a campanha anual que fomenta vendas no comércio. A partir do final de maio iniciaram uma forte campanha de valorização do comércio local dentro dos parâmetros permitidos, e algumas taxas e impostos municipais tiveram seu pagamento adiados. Funcionou, de fato, como um ponto de convergência entre diversos atores (muitas vezes conflitantes), criando pontes entre poder público, empresários, empregados e população em gerral, um instrumento de conscientização e equilíbrio, missão quase impossível num momento de pânico como este. A compreensão racional de suas condições foi tamanha que recentemente houve um movimento de empresários que gravavam vídeos pedindo para que as pessoas não saíssem de casa sem necessidade, conscientes de que aglomerações só piorariam a situação e retardariam um retorno às atividades, mesmo que em um “novo normal”.

Pode-se dizer que tanto a realidade demográfica quanto a econômica e geográfica colocaram Mogi Guaçu em uma situação diferente das demais tratadas aqui (o que envolveu também suas vizinhas Estiva Gerbi, Itapira e Mogi Mirim), o que não reduz o impacto que suas particularidades provocaram em várias outras da região da Mogiana. Mais do que quase todas tiveram que adotar meios “4.0” de negócios, e nesta orientação e amparo à quem teve que se adaptar de modo radical sua associação comercial foi extremamente humana, solidária e eficiente, prestando os mais importantes cuidados aos seus associados. Infelizmente, muitos CNPJ’s morreram pelo caminho, mas é certo que aconteceu ali uma aceleração de mudanças nos negócios que já eram tendência antes da pandemia, o que pode colocar o município em uma situação de vantagem a médio e longo prazo, pois adiantou-se novas realidades que já estavam previstas com uma atitude estável que muitas vezes é fundamental nos processos de mudança.

 

Link para introdução ao projeto “Com a palavra, as associações comerciais”

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/06/crise-com-palavra-as-associacoes.html

 

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do LEICI/Unicamp, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Aprendizado e alternativas no Projeto Inova Juntos – CNM: caso de Águas da Prata

A agroindústria na Economia Verde

POR QUE NÃO O PROTAGONISMO DO AGRO NA REINDUSTRIALIZAÇÃO?