Negócios e sustentabilidade: hoje, indissociáveis. Lições de Caconde




Hoje falo de outra importante cidade turística da região, Caconde, que além de oferecer clima delicioso e uma maravilhosa topografia conta com uma represa que há anos recebe turistas, tanto banhistas quanto apaixonados por atividades náuticas. Possui igualmente uma pujante atividade agrícola, sobretudo na agroindústria do café (conta até com uma representação da Coxupé, principal cooperativa cafeeira do país, que abrange todo o sul de Minas Gerais), o que exige uma organização diversificada dos agentes econômicos locais, refletindo-se na atuação da Associação Comercial e Industrial de Caconde (ACIC). Por isso, esta associação apresenta uma atuação bastante representativa em relação a interesses municipais, inclusive, em questões como meio ambiente, fundamental para o turismo e para a atividade rural.

                Sob o comando do advogado Hugo Orrico Junior, além das questões específica e diretamente ligadas ao empresariado local a associação voltou seus olhos para o talvez grande luxo da cidade: a represa. Responsável pela atração de muitas pessoas, não apenas em temporada ou no carnaval, mas em praticamente todos os finais de semana, a represa da hidrelétrica hoje controlada por capital chinês atrai gente de toda a região e mesmo de fora. Entretanto, dois problemas são enfrentados em relação ao reservatório de água: a variação do nível da água, que traz prejuízos ambientais que impactam tanto sobre o turismo quanto problemas ambientais que afetam a atividade rural; e o despejo de esgoto por parte de cidades vizinhas.  A ACIC acionou judicialmente os responsáveis tanto para que o município receba os royalties do impacto ambiental causado para produção de energia quanto multa em relação à poluição da água, pedindo em contrapartida a construção de uma estação de tratamento de água capaz de abastecer 50 mil pessoas. Ou seja, é uma associação que assume um papel de cidadania fundamental para a sociedade.

                Em relação à crise, o município vive uma situação diferente da maioria dos municípios aqui tratados. Tiveram apenas um caso confirmado de contágio, já curado, mais dois suspeitos. Por isso, conseguiu-se negociar com a prefeitura o não fechamento total do comércio, adotando-se as medidas de proteção orientadas pelos órgãos competentes de saúde, entretanto, impedindo-se que os clientes entrassem nos estabelecimentos, sendo atendidos do lado de fora e assim evitando aglomerações. Neste caso especificamente, o presidente da ACIC havia acabado de chegar da China quando a pandemia aportou no Brasil, de modo a já estar ciente do problema que estávamos para enfrentar. Também houve uma campanha local a respeito dos cuidados sanitários necessários. As únicas atividades que foram radicalmente afetadas foram os prestadores de serviços, como cabeleireiros e manicures, que, mesmo orientados a trabalhar a domicílio, foram indiscutivelmente prejudicados pela pandemia. Estas medidas foram defendidas pela presidência da associação antes mesmo dos decretos estaduais.

                Um outro problema enfrentado pela associação foi em relação aos bloqueios impedindo entrada de pessoas de outras cidades. Esta medida, que também foi adotada por outros municípios, afetaria em especial Caconde porque se deu em pleno período de colheita da safra do café, principal atividade rural local (inclusive, reconhecidamente um dos fatores que dão à regional de São João da Boa Vista sempre uma das três melhores colocações no valor do produto agrícola do Estado) . Conseguiu-se negociar com a prefeitura para que fosse permitida a entrada de trabalhadores para a colheita, garantindo assim o fluxo desta atividade que será primordial para a recuperação econômica exatamente por ter sido muito pouco afetada.

                Talvez pela complexidade em ser uma cidade limítrofe com outro estado e pela complexidade de sua economia, muitos comerciantes não entendem a importância da instituição ACIC e o papel que ela decidiu assumir, tal que ela possui 49 associados, o que acarreta algumas dificuldades. Mas ela está conseguindo se reestruturar, em parcerias com o SEBRAE e a prefeitura. Aliás, recentemente esta última ofereceu um novo espaço físico para a atuação da ACIC. Trata-se sem dúvida de uma instituição que pode se fortalecer mantendo o foco no turismo e na atividade rural, por isso essa atuação em relação à represa tem que ser valorizada. Como já foi dito aqui, assume um papel fundamental em relação à questões fundamentais de sustentabilidade, sendo que parece inevitável sua articulação com outros atores locais, políticos ou da sociedade civil. Acredito que o caminho para uma reestruturação da ACIC passa pela articulação não só entre os comerciantes como também em projetos comuns com ONG’s e o poder público, nas mais variadas áreas. Com certeza é uma fonte de inspiração para todos na região.

Link para introdução ao projeto “Com a palavra, as associações comerciais”

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/06/crise-com-palavra-as-associacoes.html

 

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do LEICI/Unicamp, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com


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