Uma simplicidade irresistível. Lições e Caldas

 


                  O povoado que deu origem de Caldas surgiu como parada durante a corrida do ouro e origem de municípios como Ipuiúna e Santa Rita de Caldas, este município tem uma extensão territorial impressionante e ainda se espalha em pequenos distritos. Com a crise na extração do metal precioso, seus campos entre as serras atraíram pecuaristas, mas aos poucos vieram as uvas e os vinhos, que junto à produção leiteira marcam a economia local. Morros, vinhas, cachoeiras, queijos e doces que acolhem muita gente grande quando precisa sentir o gosto de não ser mais ninguém: empresários, intelectuais, artistas e políticos de alta patente ali se conectam com coisas que o poder não pode dar. Esta aí provavelmente o grande segredo desta cidade: a consciência de que o mais valioso que ela tem a oferecer é eficiência numa simplicidade incomum.   

                Apesar de a atividade do poder público representar quase 27 % de sua economia, pode-se dizer que sua agropecuária é pujante, sobretudo no cultivo de batata, uva (é a quarta maior produtora de Minas Gerais) e leite, muito voltado para produção de doces; ao todo, as atividades no campo trazem 17,57 % do PIB. Na produção de vinho e alimentos de uma forma geral tem-se boa parte dos 12,66 % da parte da economia que vem da produção industrial, de modo que tanto o poder público quando agropecuária e indústria confluem para proporcionar à atividade turística a construção de um ambiente sem igual. Com isso, os setores de comércio e serviços atingem 42, 86 %, e por minha experiência própria por lá, respeitando os limites de clientes que estão lá exatamente porque fogem de uma atitude mais agressiva das estratégias turísticas.

                Neste sentido, como a atividade agropecuária não parou e como seu turismo é baseado também em produtos de consumo alimentício facilmente comprados para uso doméstico, dentro de determinados limites a crise talvez possa não ter sido tão devastadora quanto poderia, dada a baixa irreparável no fluxo de turistas. As atividades comerciais, restaurantes e hotéis foram fechados por mais de um mês no começo da pandemia, e em algumas oportunidades voltaram a fechar ao longo destes meses. O município teve mais de 100 casos confirmados de Covid 19, e suspeita de pelo menos 3 mortes.

                Além da pandemia, um outro inimigo caiu recentemente sobre Caldas e região. Em meados de agosto, uma quantidade impressionante de granizo caiu sobre sua região, e considerando a dependência local na produção de uvas e a importância das pastagens para a produção de leite, a capacidade de dano deste fenômeno natural pode ter sido bastante grande. Estes dois problemas acumulados exigem uma capacidade de planejamento especial por parte do poder público, e pode mostrar a importância da organização e seu empresariado para pensar um programa de retomada econômica que retome o fôlego sem abrir mão das preciosidades simples que são capazes de atrair quem vem de fora.

                    Pode-se dizer que a Associação Comercial, Industrial e Agropecuária de Caldas e Santa Rita de Caldas (ACIACS) realmente assumiu o desafio de guiar o empresariado destes dois municípios durante este período turbulento. Sediada em Caldas, promoveu o diálogo entre comerciantes e poder público desde março, e sobretudo nos meses de maior, junho e julho trouxe uma série de lives voltadas à preparação para uma nova realidade. Ficou clara uma forte parceria com o grupo “Coisas do Interior”, de Santa Rita de Caldas, promovendo a ponte entre os dois municípios, que possuem vários estabelecimentos com filiais em ambos os municípios. Em parceria com a prefeitura conseguiu organizar, mesmo que em meio virtual, a tradicional Festa do Biscouto, ainda no mês de julho. Os passos que deu durante a pandemia certamente lançou esta entidade para um fortalecimento organizacional que pode leva-la a assumir um protagonismo maior do que o que já exerce, aliando simplicidade e compreensão do universo que representa.

                Acho que entre os mais de 30 municípios nos quais já mergulhei para estes breves diagnósticos para a recuperação da crise, nenhum incorpora de modo tão forte a máxima de “reinventar novas formas de fazer as mesmas coisas”. Caldas sabe do encanto que tem, e que o limite para a recuperação é respeitar o fato de que seu principal trunfo é conseguir levar seus visitantes para onde eles só acham lá, do jeito que eles sempre foram, não adianta inovar no que oferecem, se organizando e modo diferente: se vinculando a novas redes e circuitos, novos espaços de divulgação, para atrair o mesmo perfil de turistas e de consumidores, e promovendo inovações organizacionais. Sua recuperação é questão de tempo, até porque o potencial para este tipo de turismo e consumo destes produtos é maior agora, onde prevalecerá o turismo rodoviário. Tenho certeza que a mesa já está preparada para o banquete que sempre teve lá.

Introdução ao projeto publicada em 15/9/2020

https://rbsustentabilidade40.blogspot.com/2020/09/projeto-rede-de-desenvolvimento-regiao_15.html

Marcos Rehder Batista, sociólogo, doutorando em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0. E-mail: marcosrehder@gmail.com

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