A janela de oportunidade sustentável no Observatório de Bioeconomia (Dezembro 2023 - ACA)
A janela de oportunidade sustentável no Observatório de Bioeconomia (Dezembro 2023 - ACA)
Marcos Rehder Batista*
Terminada a COP28, volta-se a discutir como avaliar os
resultados concretos das ações já empreendidas e as que precisam ser tomadas
para se frear o aquecimento global, e dadas também as urgências em relação à
fome e necessidade de desenvolvimento de países economicamente vulneráveis, uma
medida do quanto a sustentabilidade ambiental e social podem também impulsionar
um novo modelo de crescimento. Neste sentido, pode-se dizer que uma das
principais contribuições nacionais para que se tenha uma métrica para este tipo
de avaliação vem do “Observatório de Bioeconomia”, vinculado ao Centro de
Estudos do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas.
No relatório “Transição Verde: bioeconomia e conversão do
verde em valor”, apresentado pelos pesquisadores Daniel Vargas, Talita Pinto e
Cicero Lima em julho deste ano, faz-se uma síntese das três diferentes
concepções de bioeconomia encontradas nos esforços acadêmicos para definir
bioeconomia (bioecológica, biotecnológica, e dos biorrecursos), que podem ser
muito bem considerados 3 conjuntos fundamentais de variáveis complementares, e
a partir delas esmiuçar as alternativas de métricas presentes no System of
Environmenal-Economic Accounting Central Framework (SEEA) – do PNUMA-ONU, 2012
- e avaliar diferentes planos de
bioeconomia no mundo. Concentram uma gama enorme de informações fundamentais
para se implementar uma política pública efetiva para o estabelecimento de um
projeto de Economia Verde bio-based, capaz de proporcionar um belo ponto de
partida para que toda a discussão sobre sustentabilidade, acordos
internacionais, definição de oportunidades e prioridades sejam viabilizados.
O Observatório de
Conhecimento e Inovação em Bioeconomia é um centro
multidisciplinar que, além do FGV Agro, possui pesquisadores e professores das
áreas de direito, economia e administração pública, voltado para estudos em
torno da transição para uma economia de baixo carbono. Nele há investigações
sobre financiamento produtivo, análise de risco econômico e ambiental e impacto
de políticas públicas, e atualmente se dedica especialmente a estudos sobre a
Amazônia Brasileira.
Nesta discussão em torno de relatório de julho deste seu relatório
apresentado em julho último começarei pela apresentação de como concebe
bioeconomia a partir das três dimensões já citadas, para em seguida reconstruir
algumas conexões com o SEEA. A partir disso serão trazidas as diferentes
propostas predominantes de política bioeconômica – União Europeia, China e
Estados Unidos -, concluindo com as alternativas que e estudo traz para o
Brasil, que já possui várias coisas em curso, e que atualmente está
consolidando um Plano de Bioeconomia.
ii) As três dimensões da Bioeconomia
Tomando por base a revisão sistemática publicada em 2016 por Markus
Bugge, Teis Hansen e Antje Klitkou, do Nordic Institute for Studies
in Innovation (Oslo), que
apresentam um panorama geral das diferentes concepções de Bioeconomia
trabalhadas em pesquisa até então, Vargas, Pinto e Lima adotam 3 dimensões da
abordagem sobre sustentabilidade do uso dos recursos biológicos: bioecológica,
biotecnológica e dos biorrecursos (ou, de substituição). Apesar de consistirem
em três formas distintas com que o termo foi usado, estas dimensões podem ser
pensadas em conjunto e, como veremos mais adiante, as duas últimas podem ser
vistas como alternativas à primeira que satisfazem as demandas ambientais,
sociais e econômicas.
A abordagem bioecológica é fundamentalmente baseada em todo histórico de
debate ambiental conservacionista, predominante antes da Rio 92, que prega uma
redução do crescimento econômico linear (uso indiscriminado dos recursos
naturais e geração insustentável de resíduos). A análise econômica desta visão
está voltada para quantificação e precificação dos serviços ecossistêmicos, com
os impactos financeiros do desmatamento e da poluição e na concessão de
incentivos através de mecanismos como créditos de carbono e biocréditos.
A dimensão biotecnológica concentra-se no potencial produtivo do
conhecimento científico em biotencologia, como produção de medicamentos,
insumos agrícolas, materiais mais eficazes. Trata-se de uma pegada de viés
neoschumpeteriano, da inovação, focado no estabelecimento de novas trajetórias
tecnológicas capazes de proporcionar lucros extraordinários a partir da pesquisa
científica. Pode-se dizer que está mais preocupada com as possibilidades de
negócios que a preservação do meio ambiente viabiliza, e que os agentes
econômicos naturalmente irão compreender a importância da sustentabilidade
observando oportunidades que a natureza proporcionam e os impactos negativos
provocados pelas mudanças climáticas e escassez na medida em que recursos
genéticos tornarem cada vez mais raros, por exemplo.
A bioeconomia dos biorrecursos avalia a capacidade de substituir fatores
de produção de origem fóssil ou mineral, e mitigar a geração de resíduos na
produção e consumo através do princípio da Economia
Circular, com o reaproveitamento do que resta ao se produzir e do que foi
consumido. Trata-se de uma estratégia neoinstitucionalista, que não
desconsidera os potenciais de ganho com o desenvolvimento científico de novos
insumos, mas acredita que a substituição ocorrerá através de regulações, do
estabelecimento de novos parâmetros institucionais limitadores e incentivos que
orientarão o comportamento dos agentes econômicos; estes perceberão
alternativas de ganho ao longo do processo sob governança do Estado.
Em uma reflexão aqui que pode girar em torno do estudo apresentado em
meados deste ano, os dois últimos eixos claramente tem como referência o
problema do esgotamento e da subutilização dos recursos naturais, de modo que
estão respondendo às questões colocadas pela bioeconomia bioecológica. Mesmo o
primeiro, possui questões econômicas intrínsecas, como o fato que o turismo em
praias e regiões serranas tem como pré-requisito as condições naturais –
ninguém vai a praias poluídas, nem a montanhas climaticamente inóspitas ou que
não apresentam características naturais próprias -, logo, a bioeconomia
bioecológica também tem suas variáveis próprias, além das duas últimas
dimensões. Esta questão da mensuração, fundamental para a prospecção de
políticas públicas e estratégias de desenvolvimento sustentável, é o foco da
próxima sessão.
iii) Como medir a Bioeconomia? E o que medir?
A tarefa de medir os ativos ambientais, a renda gerada a
partir da preservação ou manipulação genética dos recursos naturais, da
substituição por insumos biológicos e condições de renovação dos mesmos, isso
tudo precisa ser medido. Como apresentado no segundo parágrafo, as Nações
Unidas apresenta um parâmetro para que estas questões tenham indicadores próprios
no Sistema de Contas Nacionais, o System of Environmenal-Economic Accounting
Central Framework – SEEA, que orienta a construção de dados agregados para a apropriação destas informações no
cálculo do Produto Interno Bruto. O IBGE já deu os já deu os primeiros passos
para a construção de indicadores macroeconômicos ambientais nacionais (contas
satélite ambientais), a partir de um projeto de lei de 2017 que estabelece tal
objetivo, e o próprio “Observatório de Bioeconomia” apresentou em 2022 uma
proposta, o PIB-Bio, iniciativas em maturação. Por isso, vale retomar o que o
SEEA orienta.
Fazendo uma combinação entre o que é apresentado no
relatório do “Observatório” deste ano e na proposta do PIB-Bio do ano passado,
o SEEA organiza os dados em de interação econômico-ambiental em 3 categorias:
1) serviços de provisionamento, fornecimento de recursos naturais das
florestas, como fluxos de materiais e energia, que pode ser associado à
recursos importantes para avanços biotecnológicos; 2) serviços de regulação
sistêmica, como quando as florestas atuam como sumidouros de carbono, promovendo
alterações nos estoques, que pode ser associado ao acesso à biorrecursos e; 3)
valoração de recursos e serviços ambientais considerados ambientais, como o
valor de se preservar florestas, manter as praias limpas, que pode ser
associado aos critérios bioecológicos. As associações dos critérios com os três
eixos da bioeconomia são de minha parte, obviamente merecem revisão, mas
consistem em algo de interesse fundamental.
De toda forma, tais critérios originaram as seguintes contas principais de avaliação:
- SEEA ECOSYSTEM EXTENT (SEEA-EEx): mapeia ecossistemas
- SEEA ECOSYSTEM CONDITION (SEEA-EC): informações sobre o estado dos ecossistemas, como biodiversidade, poluição e saúde dos solos
- SEEA ECOSYSTEM SERVICES flow account: permite identificar, medir e acompanhar fluxos de serviços ecossistêmicos ao longo do tempo e seu impacto na economia, em termos físicos e monetários, relacionando com agentes econômicos (empresas, famílias e governos)
- SEEA MONETARY na ECOSYSTEM account for ASSETS (SEEA MEAA): “Aborda a contabilização dos ativos ambientais por meio da atribuição de valores monetários, considerando sua contribuição para a economia e sociedade
Contando com um mapeamento sistemático de ecossistemas,
as condições destes num dado momento (inclusive os marcadamente transformados
pela ação antrópica), os impactos dos serviços ecossistêmicos na economia
(inclusive os reconstituídos pelos agentes econômicos, como reflorestamento e
recuperação de pastagens) e a contabilização dos ativos ambientais de modo
agregado, finalizando uma possibilidade de cálculo de Produto Interno Bruto,
tem-se um framework robusto para análise ecológica e econômica. Em outras
palavras, tem-se um padrão internacional para elaboração, monitoramento e
planejamento de Zoneamentos Ecológico-Econômicos, e compreender paralelismos e
sincronias possíveis entre o SEEA e abordagens de ZEE parece uma agenda de
trabalho extremamente promissora.
iv)
Iniciativas nacionais para o planejamento de complexos bioeconômicos
Os critérios de métrica apresentados acima são tanto
ferramentas para orientarem agentes econômicos quanto, sobretudo, a elaboração
de políticas de desenvolvimento sustentável por parte dos governos nacionais,
que estabelecem localmente os parâmetros de ação destes agentes. O intenção de
pensar a bioeconomia dos biorrecursos e a da biotecnologia como respostas aos critérios altamente restritivos da
bioecológica, fatores fundamentais de preservação de ecossistemas, direciona
exatamente para como os mais influentes complexos econômicos estabeleceram seus
projetos de economia bio-based e influenciarão o resto do Planeta.
O Green New Deal da União Européria esta pautado em
decisões legislativas, regras de restrições e incentivos estatais que limitam e
orientam os agentes para um processo de substituição dos insumos fósseis e
minerais por materiais e processos de base biológica, no sentido apontado pela
Bioeconomia dos Biorrecursos. Seu mais forte marco institucional é o Farm do Fork Strategy, do Biodiversity
Strategy for 2030, e preconiza atingir os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável da Agenda 2030. Ela pretende tornar seu Standardization Strategy num padrão mundial, orientando-se por 2
aspectos centrais: 1) precisa ter sustentabilidade e circularidade e 2) a
partir destas características renovar atividade industrial, inovação e
bioeconomia eficiente. Disto derivam 5 objetivos particulares: 1) garantir
segurança alimentar e nutricional, 2) realizar gestão sustentável de recursos
naturais, 3) reduzir dependência de recursos não renováveis (produzidos dentro
ou fora da EU), 4) promover mitigação e adaptação às mudanças climáticas e 5)
aumentar a competitividade européia e a geração de empregos.
Já o complexo chinês aposta numa estratégia oposta, com
altos investimentos em P&D em biotecnologia, claramente com 3 objetivos: 1)
surgirão vantagens econômicas no aprimoramento dos biorrecursos que irão
condicionar a preocupação ambiental nos agentes econômicos que 2) levará à um
desenvolvimento sustentável competitivo, 3) estabelecendo o padrão chinês para
os outros países. Principalmente em relação ao segundo ponto, isso fica claro
ao observarmos que eles colocam suas metas ambientais sempre para depois das
datas dos acordos internacionais (2035), dando tempo para a adequação ao que
acontece e permitindo revisão de estratégias, permitindo uma vantagem
competitiva que no longo prazo permitiria a predominância de seu projeto em
nível global. É claramente uma estratégia biotecnológica, com maior liberdade
para o mundo empresarial.
Pode-se dizer que os Estados Unidos estabeleceram
inicialmente um “caminho do meio”, com o National
Bioeconomy Blueprint do governo Obama (2012), e com uma tentativa de
centralização através do Inflation Recucation Act – IRA de Biden (2022). Apesar
de, como na Europa, adotar uma política de substituição por biorrecursos
através de regras e incentivos limitando e orientando os agentes econômicos, a
característica descentralização federativa do país resulta numa maior liberdade
dos agentes para explorarem possibilidades biotecnolicas. Esta descentralização
também torna heterogênea a adesão à pactos internacionais, como o Acordo de
Paris. A própria população estadunidense se mostra difusa em relação às
preocupações quanto à sustentabilidade, inviabilizando maiores semelhanças com
o plano europeu.
v) Conclusões
e potencialidades para o Brasil
Nesta apresentação sintética do relatório “Transição Verde: bioeconomia e conversão do verde em valor”, selecionando alguns pontos e lançando algumas iniciativas preliminares (sobretudo na terceira seção) de exploração do trabalho extremamente rico apresentado pelo pesquisadores do “Observatório de Bioeconomia” da FGV Daniel Vargas, Talita Pinto e Cicero Lima, pretendeu-se expor elementos fundamentais para a elaboração de uma conta satélite em nosso Sistema de Contas Nacionais macroeconômicas. Eles trazem alguns setores onde o Brasil pode sustentar uma vantagem comparativa, janelas de oportunidade para nosso desenvolvimento sustentável. Seriam os principais:
- BIO-AGRICULTURA: “industrial a céu aberto”, ¼ do PIB, e há oportunidade enormes, sobretudo em Bioinsumo, destacando-se no controle biológico de pragas e no desenvolvimento de plantas (FBN)
- BIO-ENERGIA: hidrogênio verde e etanol de segunda geração, e eu incluiria biodiesel e biogás
- BIO-MANUFATURAS: produção de materiais e microrganismos na agricultura a serem usados como insumo na indústria
- BIO-FÁBRICAS: extrativismo sustentável (palmito, açaí, castanha-do-pará), e toda a cadeia de valor que o envolve
- ZONAS DE DESENVOLVIMENTO BIOECONÔMICO: formação de clusters regionais, principalmente no Norte, Nordeste e Centro-Oeste
Por fim, trata-se do início da solução de uma lacuna em nosso planejamento público, capaz de oferecer uma série de revisões em nossas políticas ambientais e produtivas. Um tema especial e delicado, sobretudo para potencializar economicamente espaços como Floresta Amazônica, Cerrado e Pantanal, mas também para o Brasil inteiro. Um belo ponto de partida.
*Marcos Rehder Batista,
sociólogo, pesquisador do CEA+ (Inst. de Economia) e CPTEn (Fac. de Eng. Elét.
e da Comp.), na Unicamp, e do CEAPG (EAESP-FGV)
Link para publicação original no site da ACA:
https://aca.org.br/consultorias/a-janela-de-oportunidade-sustentavel-no-observatorio-de-bioeconomia/
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