Escolas de gestão pública e eleições: boas práticas de governança e as urnas
Escolas de gestão pública e eleições: boas práticas de governança e as urnas
Think
Tanks para a reinvenção democrática, a legitimidade da governança e o voto
Marcos
Rehder Batista, doutorando em Desenv. Econômico na Unicamp
Programas de formação de lideranças dentro de boas
práticas de governança vém ganhando força nos últimos anos, sinal de uma
maturidade de nosso ambiente democrático que não víamos se voltássemos uma
década atrás. São fundamentais para se enxergar a democracia além do voto e
este como fruto de bons projetos, o que torna urgente apontar-se caminhos sobre
como refletir este aprendizado nas urnas nesta reta final das campanhas.
Escolas de formação como o CLP e a Oficina Municipal e movimentos políticos
suprapartidários como Renova BR, Acredito, Agora!, RAPS e Direitos Já atraem
para dentro de uma mesma turma de alunos governadores de estado a lideranças
comunitárias, com aulas ministradas por professores de instituições de
excelência em ensino e pesquisa nas áreas de ciência política e gestão pública.
Alguns estão ligados a think tanks fortíssimos em nível
nacional, como a Associação Comunitas, e internacional, como
a Fundação Konrad Adenauer, e representam iniciativas plurais de
reconstrução de nossa democracia. Disseminam modelos de gestão importantes para
mandatos e candidaturas de qualquer coloração ideológica, que sejam
responsáveis e queiram realizar projetos e que tiveram cuidado na elaboração de
planos de governo.
O objetivo aqui é esboçar uma reflexão sobre este
movimento latente de reinvenção democrática, trazendo primeiro uma descrição
dos dois think tanks, das duas escolas de formação e dos movimentos
citados acima. Num segundo momento será feita uma imersão na relação entre
qualidade de mandatos e atração de apoiadores na sociedade civil, tendo como
inspiração trabalhos do grupo do Cebrap liderado por Andréa Freitas (Unicamp),
Glauco Peres da Silva (USP), Fernando Limongi (ex-USP e atualmente na FGV) e
Argelina Figueiredo (ex-Unicamp e atualmente na UERJ). Por fim uma sugestão de
unidade de análise para ser estudada como arena de ação, dentro da escola
neointitucionalista usada por estes cientistas políticos. É um mergulho para
chegar a conclusões práticas para um final de campanha, sobre a inserção da
governança pública no debate sobre fortalecimento da democracia, na conexão
entre políticas públicas e voto. Trata-se de um esboço sobre a relação entre o
desenvolvimento de projetos de políticas públicas (policy) e a disputa política
em sua dimensão mais pragmática (politics), aspectos nem sempre relacionados
dos estudos em ciência política (Di Giovanni, 2009)
Think
Tanks e um novo olhar sobre os governos das sociedades
A partir da década de 1970 várias propostas inspiradas na governança
corporativa foram trazidas para a gestão pública, o que obviamente não
correspondeu automaticamente a novas formas eficientes de exercer mandatos
porque os objetivos do poder público focam no bem estar da população, enquanto
que o setor privado foca naturalmente no lucro. Em todo caso, valores como transparência,
equidade, accountability e valores (Brandão, 2008) vem de muito grado para o
debate democrático, e ao longo dos anos aprimorou a tradição da Nova Gestão
Pública (NGE), estabelecendo critérios muito mais saudáveis para a relação com
a economia privada e com a sociedade civil (Cavalcante, 2018). Pode-se dizer
que é nesta seara que se encontram os dois Think Tanks aqui apontados.
A Fundação Konrad Adenauer (KAS) é uma iniciativa alemã, e em suas publicações vemos intelectuais de centro direita e centro esquerda que se propõem em discutir consensos mínimos para a arena democrática. A Associação Comunitas também conta com a academia e lideranças que participaram de governos federais e estaduais em seus quadros, mas parte de projetos práticos para a gestão pública, com apoio de alguns dos maiores grupos empresariais em atividade no Brasil. Há nítida confluência e reciprocidade entre estas duas entidades, tanto que apoiam duas das mais importantes iniciativas no ensino de boas práticas de governança para a coisa pública: o CLP e a Oficina Municipal. Ambas possuem em sua equipe docentes em gestão pública dos mais importantes centros acadêmicos da área, além de profissionais concursados nas administrações públicas e até prefeitos, como o de Andradas/MG: enquanto o CLP foca em todas as dimensões da gestão, a “Oficina”, como o próprio nome diz, centra suas atenções nos municípios e na associação entre eles (sobretudo consórcios). Pode-se dizer que os movimentos Renova BR, Acredito, Agora!, RAPS e Direitos Já atingem a esfera política de uma forma muito mais direta, promovendo uma ponte entre a pauta da governança e a legitimação deste processo na esfera pública, ligação fundamental para eleger os candidatos comprometidos com a qualidade da gestão.
A importância do conteúdo propagado por estas organizações na incorporação de
princípios democráticos de eficiência em políticas públicas é indiscutível, e
atingir uma sociedade mais justa e dinâmica passa por eles. Logo, e legitimação
nas urnas de candidaturas e exercícios de mandato que sigam tais preceitos
provavelmente vale mais do que reformas políticas ou eleitorais, e disso
depende novas formas de conquistar lideranças regionais e setoriais que fujam
do tradicional clientelismo das sociedades latinas (Speck, 2004). Por isso
pensar estratégias para sedimentar na capilaridade da sociedade as
possibilidades que estas práticas proporcionam é mais que crucial neste momento
de revisão de nossa democracia, onde não houve uma ruptura institucional, mas
sim um deslegitimação das lideranças e partidos que a construíram desde 1988. E
a hipótese sustentada aqui é que o caminho é aprimorar nas propostas destas
escolas de governo mecanismos que reforcem o protagonismo de lideranças sociais
na elaboração e implantação de projetos de políticas públicas ou mesmo projetos
privados de Investimento Social
Corporativo, tipo de investimento em projetos sociais estudados por alguns
pesquisadores em projetos de pesquisa como Percurso formativo em avaliação de
projetos sociais – FEA/USP (Fischer e Comini, 2012)
e Governança
e Gestão Social – EACH/USP (Mendonça e Falcão,
2016). Esta rede que atraia estas lideranças da base social tanto
substitui os vínculos clientelistas como funciona como mecanismo para
aprendizagem de boas práticas de governança.
Penetração
social e a conquista do voto numa arena de reinvenção da legitimidade
Ao relacionar políticas públicas com qualidade da democracia, geralmente os
cientistas políticos centram exageradamente na dinâmica interna do legislativo
e do executivo ou na discussão sobre transparência ou qualidade de gestão. Isso
responde muito pouco sobre como a legitimidade é conquistada durante os
mandatos e como ela resulta em votos para candidaturas. A manutenção de
apoiadores regionais e setoriais ao longo do tempo tradicionalmente se dá por
via financeira através do aparelhamento de lideranças aglutinadoras de voto em
cargos conquistados pelos mandatos (mesmo com capacidade técnica duvidosa) ou
mesmo pelo pagamento, numa “modernização” do antigo clientelismo (Speck, 2004 e
2015). A ideia aqui é encontrar no processo de elaboração e implantação
de políticas públicas mecanismos que substituam o aparelhamento desqualificado
e o clientelismo informal.
Atualmente muito foi aventado sobre uma ruptura institucional com o impeachment
de 2016, questionando-se a democracia de coalisão e o caos provocado por ela,
que teria levado à negação da entidade “partido político”, unidade de análise
importantíssima mas que por hora pode não ser a mais adequada para se repensar
nosso sistema político. Mas, se vivêssemos num bipartidarismo ou ao menos com
uma diminuição da quantidade de partidos os problemas de deslegitimação
deixariam de acontecer? Segundo o citado grupo de cientistas políticos do
Cebrap a resposta estaria na relação entre a atuação dos mandatos e a forma com
que são eleitos (Limongi e Figueiredo, 2017). O hiato entre herança
clientelista das bases eleitorais e a forma com que o poder é exercido pelos
mandatos pode ser resolvido quando os apoiadores estão próximos da coordenação
política da elaboração e mudança dos projetos, entendendo a gênese de políticas
públicas como inovação institucional. Este processo pode ser visto quando se
traz para a análise as dimensões dos processos de inovação e adaptação da
economia neoschumpeteriana, onde liderança organizacional é o motor da mudança
institucional (Freitas, 2019). Em outras palavras, pode-se encontrar a conexão
entre mandato e voto quando se percebe o papel da articulação organizacional
para a mudança institucional mediante insatisfação com os resultados do jogo
(North, 1990): políticas públicas, penetração social e legitimação do voto.
Apesar deste destes trabalhos do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições do Cebrap também centrarem no papel dos partidos e das coalisões para a reconstrução de nossa democracia (talvez com razão a médio e longo prazo), a fidelidade partidária na coordenação da ação política dos mandatos perde força na relação com o eleitorado; em todo caso, apontam o papel da liderança individual no processo de inovação institucional que vinculação exercício dos mandatos e eleitorado, sem intermediação partidária. Conseguir pensar desta forma torna possível chegar ao papel dos governos na construção da democracia de uma forma multipartidária, exatamente o propósito que reúne vários professores de prestígio acadêmicos nos projetos do CLP e da Oficina Municipal e tem ressonância em movimentos como o Renova BR, Acredito e Agora!, RAPS e Direitos Já: pensar o mandato como unidade de análise, como arena de ação, é um caminho para se pensar o triângulo coalisão-mandato-eleitorado. Para se adotar mandato/candidatura enquanto arena de ação unitária e se pensar em estratégias eleitorais capazes de potencializar o aprendizado nestes sistemas de ensino de gestão pública será usado o modelo neoinstitucional IAD (Institutional Analysis and Development) sistematizado pelo grupo em torno de Elinor Ostrom no Ostrom Workshop, que assumiu criteriosamente o framework de Williamson e North, esforçando-se para uma abordagem sintética entre o neoinstitucionalismo sociológico, histórico e da escolha racional (Ostrom, 2005 e 2005b; McGinnis, 2011).
Mandatos
e candidaturas enquanto arenas de ação dos agentes políticos, econômicos e
sociais
Primeiramente, em medida alguma está-se relativizando o papel orientador que os
partidos tem na democracia, mas sim admitindo-se que enquanto arenas de ação
incluem várias arenas de ação menores que são as candidaturas/mandatos, cujos
líderes podem não seguir orientação partidária ou mesmo sair do partido: o voto
no Brasil é uma relação pessoal entre eles, lideranças e eleitores. Também é
nos mandatos imersos em partidos e coalisões que as boas práticas de gestão
tomam vida e geram resultados, podendo criar ramificações com a sociedade e
assim criar formas saudáveis de agregar lideranças. É vinculando as políticas
públicas que defende com sua execução e contando com a iniciativa privada para
promover o protagonismo dos empreendedores sociais que será possível criar uma
vinculação frutífera entre político e eleitorado.
Em resumo, na IAD arenas de ação são espaços (regras, costumes
e condições fícsico-econômicas) aonde as interações acontecem, compostas pelos
atores e pelas situações de ação (interação, jogo) entre eles,
esta última contendo sete clusters de variáveis endógenas que
são condicionados por três variáveis exógenas que incidem
sobre as arenas de ação: configuração das regras, atributos da comunidade e
mundo objetivo/operacional (Ostrom, 2005b) . Uma arena geralmente se relaciona
com outras e está dentro de outras mais abrangentes, como um mandato está
dentro de um partido e dentro da esfera do Estado, simultaneamente. De uma
forma breve que obviamente precisa ser aprofundada, os mandatos/candidaturas
serão definidos aqui como arenas de ação e cada projeto a ser
otimizado eleitoralmente será considerado uma situação de ação. A
partir da IAD é possível pensar uma otimização eleitoral para cada um dos
projetos dos mandatos/candidaturas seguindo as seguintes etapas:
1. Participantes: mapear
lideranças favorecidas nos projetos e articular aproximação
2. Posições: avaliar
função que estas lideranças podem cumprir na campanha/grupo
3. Estratégias: avaliar
potencias das lideranças no conjunto da campanha/grupo
4. Consequências: avaliar
consequências (positivas e negativas)
5. Controle
Social: comitê de crise com regras claras, representativo das
lideranças
6. Informação: modular
conteúdo disseminado de acordo com público alvo
7. Custos
e Benefícios: avaliar a relação entre investimentos e votos/apoios
agregados
Como é muito nítido neste framework, pensa-se a governança como um processo que
alia proposta, envolvimento social de agentes empreendedores que protagonizam
em seu nicho voltados para a legitimação de uma candidatura/mandato que se
converta em votos. Nada mais são do que os sete elementos das situações
de ação apontados por Elinor Ostrom. A campanha ou o decorrer do
mandato pode se inspirar nestes quesitos, tal que deve haver uma reavaliação
constante das ações e resultados através de feedbacks proporcionados por
pesquisas eleitorais ou consultas coletivas com os envolvidos nesta arena de
ação. Segundo o que se propõe na IAD, avaliação pode utilizar-se dos princípios
da governança corporativa, explorando os critérios de transparência, equidade,
prestação de contas e conformidade com os valores, incluindo a análise da
capacidade adaptativa como quinto aspecto a ser avaliado, fortalecendo um
diálogo com o pensamento neoschumpeteriano (OSTROM, 2005).
Considerações
finais
Pode-se dizer que a vinculação entre boas práticas de governança pública e
resultados eleitorais pode vir ao articular-se a execução de políticas públicas
com recursos públicos e privados através da liderança empreendedora do mandato.
Esta liderança com uma certa medida de independência potencializa a legitimar
as proposições feitas na esfera política (legislativo ou executivo), que quando
feitos seguindo uma linha programática pode inclusive fortalecer os partidos.
Compreender este vínculo possível através de uma metodologia de planejamento de
mandato como a IAD pode ajudar encontrar o papel destas entidades de ensino, think
tanks e movimentos suprapartidários voltados à propor e ensinar
diretrizes de gestão pública, e mecanismos de projetos sociais via iniciativa
privada podem ter seu papel no debate sobre reconstrução da democracia ao
trazer uma alternativa legal e legítima ao clientelismo. Trouxe aqui apenas
pontos chave que naturalmente serão desenvolvidos com maiores detalhes e
profundidade, mas que podem ser úteis para o planejamento da reta final de
campanha que esteja condizente com o debate acerca do aprimoramento da
qualidade da democracia promovido no Núcleo de Instituições Políticas e
Eleições do Cebrap. Resta como um programa de trabalho a ser desenvolvido tanto
um aprofundamento sobre os demais pontos desenvolvidos por este grupo de
pesquisadores quanto refletir sobre o que os professores e pesquisadores
ligados às entidades de formação e disseminação de boas práticas de gestão tem
a dizer, além de um levantamento acura sobre trabalhos do Ostrom Workshop
específicos sobre o assunto, mas está apontado aqui um caminho útil dentre
vários que já estão sendo trilhados para se repensar a legitimidade de nossa
democracia, aliando princípios e resultados.
Referências
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Marcos
Rehder Batista, bacharel e mestre em sociologia pelo IFCH/Unicamp, doutorando
em Desenvolvimento Econômico no Instituto de Economia/Unicamp, pesquisador do
NEA/Unicamp e do Urban Living Lab-SP, líder do projeto RB Sustentabilidade 4.0.
E-mail: marcosrehder@gmail.com
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