A CNA e a agricultura regenerativa na COP 29

 


A CNA e a agricultura regenerativa na COP 29

Link para original no site da ACA: https://aca.org.br/a-cna-e-a-agricultura-regenerativa-na-cop-29/

Marcos Rehder Batista*

 

A inserção da agropecuária nos debates em torno da Agenda 2030 tem evoluído nos últimos anos, principalmente em virtude do estabelecimento do Sharm El-Sheikh Joint Work, em 2022, na COP 27. Em parceria com a FAO, ele discute medidas tanto para mitigação dos impactos ambientais das atividades rurais quanto técnicas no setor que promovam sequestro de carbono, tirando estes setores da economia do grupo de emissores e tratando-os como parte da solução do problema, dado que em si promove cobertura vegetal e pode recorrer a técnicas sustentáveis de retenção de substancias no solo. Neste sentido, apresenta-se aqui as linhas gerais do position paper apresentado pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA sugerindo pautas a serem defendidas pelos negociadores brasileiros na COP 29, que está acontecendo nesta semana, em Baku, no Azerbaijão, especificamente em como este diagnóstico contextualiza a agricultura regenerativa, concepção de agropecuária sustentável que reposiciona de modo positivo a produção no campo no debate internacional, e também é tomada como referência na recém decretada Estratégia Nacional de Bioeconomia.

                Pode-se dizer que o fio condutor do documento divulgado pela CNA em meados de outubro consiste em defender o reconhecimento do esforço de mais de 10 anos em se promover agricultura de baixo carbono no Brasil, primeiro destacando as iniciativas Plano ABC e sua continuidade Plano ABC+, atualmente renomeado RenovAgro, e a partir deles pleitear financiamentos internacionais mais robustos para intensificar o aprimoramento e engajamento dos produtores em práticas mais sustentáveis na Economia da Biomassa (ou, Bioeconomia). Por muito tempo os complexos agroindustriais foram condenados ao papel de vilão, panorama que vem sendo alterado com ecoinovações recentes, tal que em 2017, dois anos após a apresentação do Acordo de Paris, foi criado o Koronivia Joint Work on Agriculture, para discutir alternativas para o agronegócio no âmbito da Agenda 2030, grupo previsto para duração de 2 a 3 anos e que foi renomeado como Sharm El-Sheikh Joint Work em 2022, na COP 27, agora como fórum permanente na Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças

do Clima. Em suma, o objetivo da manifestação da entidade brasileira que representa as demandas das atividades rurais aponta que dentro deste fórum se priorize os acordos pré-alinhados em relação ao reconhecimento das iniciativas nacionais e disponibilização de recursos acertados na Conferência de Bonn de 2024, que sempre ocorre em junho, onde são estruturadas as pautas de cada COP.

O Position Paper da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil – CNA de 2024 está dividido em oito tópicos: 1) introdução; 2) contextualização da agropecuária no Acordo de Paris; 3) estabelecimento de mecanismos de financiamento para os países em desenvolvimento, mediante critérios transparentes; 4) definição de indicadores consistentes para mensuração dos progressos locais para a Meta Global de Adaptação; 5) a necessidade de relatórios bianuais, com uma metodologia clara para a mensuração dos indicadores definidos em um sistema que dê clareza sobre as expectativas de financiamento; 6) aperfeiçoamento do mercado carbono em Transferência Internacional de Resultados de Mitigação (ITMO) gerado pela agropecuária; 7) uma síntese sobre estas pautas sugeridas pela CNA nas discussões e negociações dentro do Programa de Trabalho sobre Transição Justa, aprovado na COP 27, em Dubai e; 8) necessidade de cuidados redobrados para que não sejam firmados compromissos que, apesar de aparentemente bem intencionados, na prática visem proteger o agronegócio de países desenvolvidos. Mais atentamente na sétima seção, onde constam aspectos sobre a relação direta entre os produtores rurais, a competitividade do mercado em que atuam e a urgência climática, o documento enumera 5 tópicos:

 

No contexto da agricultura, a CNA recomenda aos negociadores brasileiros:

• Incentivar e aprimorar meios de implementação, financiamento e transferência de tecnologia para uma transição baseada na agricultura de baixo carbono;

• Promover instrumentos de capacitação voltados para práticas agrícolas sustentáveis, contribuindo tanto para a mitigação quanto para a adaptação às mudanças climáticas;

• Destacar a importância de políticas de incentivo para produtores que adotem práticas sustentáveis como sistemas integrados, que contribuam para a fixação de carbono no solo, erradiquem o uso do fogo e operem com base na conservação do solo e da água, na agricultura regenerativa e em sistemas de irrigação eficientes;

• Ressaltar os benefícios climáticos e ambientais associados à agricultura e aos sistemas alimentares, alinhados à Declaração dos Emirados Árabes Unidos sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática (UAE Declaration on Sustainable Agriculture, Resilient Food Systems and Climate Action); e

• Assegurar que as decisões e os processos do Programa de Trabalho dos Emirados Árabes sobre Transição Justa não contribuam para a criação de barreiras de comércio baseadas em critérios de sustentabilidade.” P.26

 

                Nos dois primeiros trata-se das transferências financeiras e tecnológicas que precisam ser oferecidas de fontes internacionais para a que nossos produtores aprimorem o uso de procedimentos sustentáveis na Economia da Biomassa, baseadas na agricultura de baixo carbono e voltadas para a adaptação às mudanças climáticas. Os dois últimos abordam que os benefícios climáticos e ambientais possíveis através da agropecuária em novos parâmetros tecnológicos já foram reconhecidos em conferências do clima recentes, e que podem e devem ser vistos como soluções, e não álibis para criação de barreiras comerciais internacionais; em suma, ao viabilizar-se mudanças tecnológicas já conhecidas e sustentáveis ambiental, social e economicamente, decisões de viés exclusivamente restritivas terão um caráter preocupado em proteger mais agentes econômicos de países ricos do que o meio problemas ambientais globais. É no terceiro tópico que a CNA define que tipo de agropecuária propõe, com prioridade na agricultura regenerativa, com sistemas integrados capazes de fixar carbono, erradicação do uso do fogo e conservação do solo e da água.

                Ou seja, as condições financeiras e tecnológicas e os critérios de avaliação para a transferência prioritária de ambas devem estar ancoradas na “agricultura regenerativa”, uma abordagem do início dos anos 1980 cujo significado finalmente se adapta a realidade e começa a ser consensual do debate internacional, entre ambientalistas e produtores, reconhecida tanto pela CNA quanto pelo Ministério do Meio Ambiente, e que merece maiores esclarecimentos, inclusive em relação a seus desafios. Em meio a várias contribuições acadêmicas a este respeito, optou-se aqui por recorrer ao relatório Agricultura regenerativa no Brasil: desafios e oportunidades, publicado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável – CEBDS logo após da COP 28, ano passado, em que apresenta a discussão sobre o tema que já vinha sendo feita pela entidade.

                Segundo estudo do CEBDS, atualmente o conceito de agricultura regenerativa refere-se a “um sistema produtivo que adota práticas sustentáveis e conservacionistas de agricultura (principalmente atreladas ao solo)” (p.8), definição subsidiária do estudo liderado por Peter Newton, professor do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade do Colorado. Ele aponta dois tipos de critérios para a definição, que são os seguintes: (i) processos (práticas agrícolas sustentáveis sob o aspecto ambiental e da biodiversidade); (ii) resultados atingidos (tais como redução de emissões, aumento da biodiversidade, preservação hídrica, etc.). Em relação aos processos, as medidas tomadas “da porteira para dentro”, o CEBDS aponta: “(i) ações de cobertura do solo; (ii) sistemas integrados (como por exemplo sistema de integração lavoura-pecuária-floresta – ILPF -, entre outros); (iii) melhoramento da qualidade do solo (aumentando seu potencial de sequestrar carbono, fertilidade e biodiversidade); (iv) implementação de recuperação de vegetação nativa e plantação de florestas com objetivo de maior segurança climática para região (estudos indicam que a ‘floresta em pé’ e vegetação nativa tem papel importante para mais estabilidade climática para agropecuária, além de serviços ecossistêmicos como a polinização); (v) rotação ou cultivo sucessivo de mais de uma cultura na mesma área; (vi) cobertura do cultivo/plantio o ano todo, para que o solo não fique em pousio durante as entressafras, o que ajuda a evitar a erosão; (vii) adoção da prática de plantio direto (cultivo conservador, ou menos aração de campos); (viii) uso otimizado e eficiente de defensivos agrícolas e biotecnologia, com impacto ambiental nulo ou negativo; (ix) promoção de bem-estar animal e de práticas justas de trabalho para os produtores; (x) adoção de biodigestores para geração de energia a partir de dejetos bovinos” (p.7-8). As vantagens deste conjunto de práticas podem ser resumidas no quadro abaixo:



Entretanto, o documento esclarece não haver uma métrica consensual para a avaliação do quanto o uso destas práticas está sendo efetivo na mitigação da emissão de GEE, tanto na diminuição quanto até mesmo na retenção destes no solo ou pela vegetação (afinal, uma lavoura é também cobertura vegetal, principalmente quando adota práticas como plantio direto). Para apontar para a solução deste problema, recorre aos trabalhos do engenheiro agrônomo Carlos Eduardo Cerri, professor da ESALQ, que parte de 38 elementos fundamentais para a avaliação doa resultados do quanto as práticas regenerativas estão contribuindo para que o uso do solo de uma área específica está emitindo menos carbono e sequestrando mais, ao final chegando a 5 pontos que podem ser usados como métrica:

  • carbono orgânico no solo
  • fósforo
  • potássio
  • pH
  • pontuação VESS

Considerando os 4 primeiros como propriedades bioquímicas do solo, o último, “pontuação VESS” (Visual Evaluation of Soil Structure), indica as físicas, e se as anteriores dão conta do quanto o solo é rico, esta avalia a capacidade de retenção de elementos, entre eles a água. Considerando a ainda indefinida metodologia para medir o quanto determinada área atinge os resultados esperados da agricultura regenerativa – e a própria sequência do relatório do CEBDS ensaia algumas alternativas -, pode-se dizer que a proposta de Cerri proporciona a seleção de um número reduzido, o que simplificaria o segundo aspecto apontado por Newton em discussão sobre o tema, um padrão para avaliação dos “resultados atingidos”, usando como unidade a recuperação de solos, problema que precisa ser resolvido não apenas no Brasil, mas em vários países em desenvolvimento com alta vulnerabilidade em relação às mudanças climáticas e dispostos adequarem suas práticas produtivas à mitigação dos problemas ambientais. Desta solução depende a definição de mecanismos internacionais de fomento.

A concepção de agricultura regenerativa está no topo do debate da sustentabilidade no tocante à agropecuária, assim como já esteve a agricultura conservacionista. Estamos falando de um debate, sobretudo, político, e na natureza desta arena está a transitoriedade dos conceitos. Não que não sejam fundamentais, e que os critérios da expressão “do momento” não possam ser aproveitados pela que vai predominar futuramente. Por isso, ancorar esta discussão dentro de como as atividades rurais são tratadas no âmbito do já consolidado conceito de Bioeconomia (ou, Economia da Biomassa) pode ser importante como um fio condutor. Ajuda a conectar passado, presente e futuro.

                Enfim, nesta semana espera-se que saiam direcionamentos consistentes na COP 29, sobre várias pautas da Agenda 2030, e uma definição mais precisa sobre o que se espera das atividades rurais dentro do paradigma da agricultura regenerativa. É fundamental a assimilação de resultados já demonstrados que vão além da diminuição de missões de carbono, pois inúmeros estudos mostram que muitas práticas na agropecuária podem levar ao sequestro de GEE’s, não apenas por produzir vegetação como no próprio trato do solo, e a conversão desta capacidade em créditos de carbono pode consistir em um mecanismo de financiamento e reconhecimento de eficácia imprescindível para a transformação do setor em um ramo altamente sustentável. Importante a CNA abraçar esta luta, fundamental nossos negociadores entenderem isso, e que nossos esforços valorizem o que temos e não se sujeitem à empreitadas dos países desenvolvidos, que muitas vezes objetivam mais criar barreiras de mercado do que realmente proteger o meio ambiente, como o próprio presidente da Associação dos Agricultores Alemães (Deutscher Bauernverband – DBV), Joachim Rukwied, admitiu na Conferência Josué de Castro sobre Segurança Alimentar e Combate à Fome, no final de maio deste ano.

 

Marcos Rehder Batista, sociólogo, licenciado em geografia, pesquisador no CPTEn (FEEC-Unicamp) e no CEAPG (EAESP-FGV)


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